Revista do CBH do Rio Pará nº1: Água se planta?

19/01/2023 - 19:06

Agricultores podem produzir água unindo técnicas de conservação ambiental e manejo adequado do solo para infiltração da água da chuva

Enquanto secas intensas quebram safras Brasil afora, um agricultor suíço, o Ernst Götsch, ensina a “plantar água”, recuperando nascentes e fazendo com que suas plantações bombeiem mais água para a atmosfera. No sistema dele, todos os seres, sejam humanos, animais silvestres, sejam microrganismos, têm papéis igualmente importantes.

Quando o suíço chegou à Bahia nos anos 1980, o cenário de sua propriedade em Piraí do Norte, no sul do estado, era devastador. Quase todos os 510 hectares haviam sido desmatados e os animais silvestres eram raros. Os donos anteriores passaram anos criando porcos e cultivando mandioca de forma convencional, o que esgotou o solo e assoreou 14 riachos que cruzavam a fazenda. “Dentro de pouco menos de dois anos, eu tinha reflorestado tudo”, conta o suíço, que também viu todos os riachos renascerem no processo.

Ernst Götsch é suíço e, desde 1982, vive em Piraí do Norte, região do cacau na Bahia, onde aplicou seu método de agricultura. Foto: Felix Lima

Um dos primeiros desafios de Götsch foi recuperar os riachos assoreados, o que ele fez abrindo valas nos cursos originais e reflorestando o entorno. As raízes protegeram o solo da erosão e permitiram que a água da chuva voltasse a infiltrar, fazendo os cursos d´água voltarem a produzir água. A recuperação dos riachos embasou uma das principais máximas que o suíço difunde em cursos e palestras: a de que “água se planta”.

Hoje, a maior parte da propriedade virou uma reserva ambiental privada e somente cinco hectares, menos de 1%, lhe geram receitas. A transformação na fazenda chamou a atenção de governos, agricultores e empresas que nas últimas décadas começaram a contratá-lo para consultorias. Ele também passou a rodar o Brasil dando cursos, levando seu conhecimento para diversas pessoas.

 

O CAMINHO DA ÁGUA

Em menos de dois anos, Ernst Götsch reflorestou todo o seu terreno de 510 hectares, na Bahia.

O que Ernst Götsch ensina é basicamente o ciclo hidrológico da água. É fazer com que a água infiltre no solo ao invés de formar enxurradas e causar enchentes e alagamentos. E isso não é nada complicado. A cobertura vegetal do solo e as raízes das plantas são os principais agentes responsáveis pela infiltração da água no solo.

O meio rural é composto pelas áreas naturais, que são os campos e as florestas, e pelas lavouras e pastagens.

Em áreas naturais, principalmente em florestas, a natureza se encarrega de colher a chuva através da densa vegetação, que impede a formação de enxurradas, dando tempo suficiente para que a água possa infiltrar no solo e assim garantir que as nascentes tenham água o ano todo.

Uma das formas de se fazer isso é cercando as nascentes e preservando as matas ciliares por meio de sistemas agroflorestais. Mas há outras estratégias, como a implantação das bacias de contenção de água das chuvas (as barraginhas) e a preparação de taludes para armazenar água no lençol freático que depois volta a brotar nas nascentes. Evitar o assoreamento dos cursos d´água pelas estradas vicinais também é uma ação importante.

Para garantir água de qualidade e em quantidade no futuro, o Brasil e outros países têm investido nas chamadas Soluções baseadas na Natureza (SbN), baseadas no fortalecimento das “infraestruturas verdes” da própria natureza.

As SbN imitam processos naturais para proteger, gerenciar e recuperar ecossistemas, incluindo os de água doce, de forma sustentável. Em tempos de mudança climática, elas podem ser usadas para gerenciar inundações, secas e outros eventos extremos. Estudos mostram que essas soluções podem fornecer 37% da resposta para manter o aquecimento abaixo de 2°C e ajudar o mundo a evitar os piores efeito da crise climática.

 

CONSERVAÇÃO E PRODUÇÃO DE ÁGUA NA BACIA DO RIO PARÁ

O Programa de Conservação e Produção de Água em execução pelo CBH do Rio Pará é um caso que busca a aplicação das SbN. Criado em 2021, o programa vai implementar ações de conservação e recuperação da vegetação nativa, construção de barraginhas e de terraços em propriedades rurais. Não tem mágica no processo: a recuperação de matas nativas e o resgate de nascentes evita que sedimentos se acumulem na bacia hidrográfica e diminuam a capacidade de vazão.

Assim, para dar início ao programa, o CBH do Rio Pará escolheu três microbacias: o Rio Pari, em Pompéu, no Baixo Rio Pará; o Ribeirão do Sapé, em Carmo do Cajuru, no Médio Rio Pará, e o Ribeirão Custódio, em Cláudio, no Alto curso do rio. Cada uma delas receberá investimentos na ordem de R$ 2 milhões. Os primeiros projetos técnicos já foram licitados e a execução das obras ocorrerá ao longo de seis anos.

 

A microbacia do Rio Pari, em Pompéu, sofre há anos com a escassez hídrica. A região possui dois assentamentos e um quilombo que já chegaram a ser abastecidos por caminhão pipa. Breno Henrique da Silva Ramos, representante da prefeitura de Pompéu no CBH do Rio Pará, conta que a bacia sofre com a degradação. “O desmatamento é grande e de uns anos para cá tem aumentado para dar lugar à produção de soja, além da abertura de novas áreas de pastagens”, diz.

Para ele, conservar e recuperar as áreas degradadas é de fundamental importância. “Acredito muito no Programa de Conservação e Produção de Água. Com ações simples traremos resultados significativos para a microbacia que resultarão em melhorias para a qualidade de vida da população”, afirmou.

Já o Ribeirão Sapé, em Carmo do Cajuru, é um dos cursos d’água mais bonitos da bacia. Ele nasce na Jacuba, passa por Olhos d’Água, forma lindas cascatas pela Serrinha, até desaguar no Rio Pará.

 

Breno Ramos espera que projeto do CBH em Pompéu traga resultados significativos para a microbacia.

 

Crispim Júnior, secretário de Meio Ambiente de Carmo do Cajuru, afirma que o município é preocupado com as ações de conservação e preservação dos recursos hídricos. “Sofremos os reflexos da estiagem e da crise hídrica e ações como o Programa de Conservação e Produção de Água nos ajudarão a aumentar a produção de água no nosso município”, declarou.

Em Carmo do Cajuru também é desenvolvido o Programa Produtor de Água da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) com o pagamento por serviços ambientais a produtores que adotam técnicas adequadas de manejo do solo com o objetivo de aumentar a produção de água.

Para Crispim Júnior, secretário de Meio Ambiente de Carmo do Cajuru, o Programa ajudará a produzir água no Ribeirão do Sapé.

A microbacia do Ribeirão Custódio, em Cláudio, também é uma área explorada pela agropecuáriA. “Desenvolver ações de conservação e produção de água é de fundamental importância para a nossa região. A iniciativa servirá de modelo para os municípios replicarem as ações. Somente com planejamento e ações efetivas conseguiremos de fato melhorar a quantidade e qualidade das águas do Rio Pará”, garante o conselheiro do CBH do Rio Pará, Marcelo da Fonseca, representante do Sindicato dos Produtores Rurais de Claúdio.

Marcelo da Fonseca, de Cláudio, acredita que iniciativa servirá de modelo para municípios replicarem as ações.

 


Assessoria de Comunicação CBH Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará

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