Na noite de 9 de janeiro, comunicado da Prefeitura de Pará de Minas deixou toda a região do Médio e Baixo Rio Pará em estado de alerta. Com o impacto das chuvas abundantes que despencaram em grande parte do Estado, a barragem da Usina do Carioca, reservatório de água para fins de geração de energia elétrica, operada pela Cia. Santanense de Tecidos, entrou em alto risco de rompimento e teve sua situação de emergência elevada ao nível 3, o grau máximo, na terça-feira (11).
Moradores dos baixios nos municípios, distritos e localidades rurais de Pará de Minas, onde se localiza a Usina, Pitangui, Onça do Pitangui e Conceição do Pará, foram exortados a deixar imediatamente suas moradias e buscar refúgio em áreas seguras.
No mesmo dia, a Santanense informou que não houve ruptura, “apesar de ter sido identificado o descalçamento parcial do conduto engastado ao barramento”. Em português mais corrente, o prefeito paraminense Elias Diniz (PSD) traduziu: “transbordamento da represa e uma erosão na lateral. Já o duto principal fraturou” após a cheia provocada por mais de 140 mm de chuva apenas no sábado (8), o dobro do previsto.
Cerca de 130 pessoas foram removidas e abrigadas em casas de parentes, 30 do distrito de Carioca (Pará de Minas) e 100 das cidades de Onça de Pitangui e Conceição do Pará.
O volume do rio São João aumentou expressivamente. Um primeiro esboço dos danos mostra que as inundações causaram prejuízo a produtores rurais, incluindo mortes de animais, e unidades de captação foram atingidas, segundo informou a empresa Águas de Pará de Minas, responsável pelo abastecimento no município.
De acordo com Luís Marcos dos Santos, coordenador da Defesa Civil de Conceição do Pará, foram impactadas, no município, as comunidades de São João de Cima, Juazeiro e Bom Jardim. “A Defesa Civil trabalhou em conjunto com a Santanense e o apoio permanente da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec), retirando as pessoas das áreas de risco e prestando assistência no abrigo montado para esse fim aqui em Conceição do Pará”, diz Santos, sobre a força-tarefa agora concentrada “na recuperação de estradas de acesso, apoio às famílias e visitas às residências afetadas”.
Construída no início da década de 1970 pela Santanense e instalada no limite dos municípios de Conceição do Pará e Pará de Minas, a barragem é alimentada pelo rio São João, afluente da margem direita do Rio Pará. A Usina do Carioca é uma Central Geradora Hidrelétrica (CGH)) de 1,4 MW, de tamanho e potência ainda menores que as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs).
A empresa, procurada pela reportagem, não se pronunciou até o fechamento da matéria. Em nota oficial anterior, garantiu que “as condições da barragem estão sendo monitoradas, bem como as vazões afluentes ao reservatório” e afirmou que “segue em contato permanente com as autoridades e órgãos públicos”.
Confira mais fotos da região onde está localizada a barragem da Usina do Carioca:
Ministério Público move ação
O Ministério Público de Minas Gerais (MP) impetrou, em conjunto com a Procuradoria do Estado, ação cautelar contra a empresa Cia. Santanense por “deficiências durante a execução do Plano de Ação de Emergência (PAE) da barragem” e pede que “a empresa suspenda as atividades de exploração do recurso hídrico e de geração de energia elétrica e adote as medidas tecnicamente necessárias para assegurar a estabilidade e segurança da barragem”.
Segundo a Assessoria de Comunicação do MP, “o PAE da empresa é um documento bem superficial, sendo que uma das importantes deficiências é não contar com o levantamento cadastral e o mapeamento da população existente na Zona de Autossalvamento (ZAS)”. A ação, ajuizada na 1ª Vara Cível da Comarca de Pitangui, ainda não foi julgada.
Mais água no moinho das enchentes
A abertura das comportas de uma outra hidrelétrica na segunda-feira (10) acendeu ainda mais o alerta sobre as inundações, rio abaixo. Instalada no Rio Pará, nos municípios de Carmo do Cajuru e Divinópolis, a barragem da PCH Cajuru, da Cemig (área de 23,27 km² e unidade geradora de 7,2 MW de potência), teve vazão defluente (saída da água) ampliada gradativamente por conta do acúmulo na represa.
Sobre a possível soma de efeitos, rio abaixo, do aumento de vazão de sua barragem e do transbordamento da Barragem de Carioca, a Cemig garante que “somente há influência conjunta na calha do Rio Pará após a confluência desse com o rio São João, a cerca de 110km da barragem”, o que minimizaria o impacto direto da operação do reservatório nesse ponto.
Em Conceição do Pará, 500 famílias foram levadas para abrigos devido ao risco de inundação do Rio Pará, conforme declarações do prefeito José Cassimiro Rodrigues (MDB). Em Divinópolis, segundo Lucas Estevam, Secretário Municipal de Trânsito, Segurança Pública e Mobilidade Urbana, responsável pela Defesa Civil, alguns bairros foram alagados.
Luís Marcos, da Defesa Civil de Conceição do Pará, registrou efeitos da vazão da barragem Cajuru “nos bairros Aldeia do Pará, Santuário e a comunidade de Velho da Taipa”, “sem atingir diretamente a parte central da cidade”.
A Cemig explicou, em nota, que as afluências (água que entra) ao reservatório chegaram a 500 m³/s às 11h do dia 10, forçando ampliar a defluência até o patamar de 450 m³/s.
Ane Cristina Pereira, diretora do Departamento de Defesa Civil de Carmo do Cajuru, conta que “Carmo do Cajuru já alaga a parte baixa com vazão acima de 300 m3/s”. Na sexta (7), a Cemig começou a soltar alertas. “No dia 8”, diz Ane, “avisaram que soltariam 450 m³/s”. De pronto, o “Plano de Contingência entrou em ação, envolvendo Defesa Civil, Comunicação, voluntários, representantes de bairros ribeirinhos” e a própria estatal de energia, que “contratou equipe para cadastro geral”. O balanço inicial mostra a “evacuação de 19 famílias e uma família desabrigada, alojada no poliesportivo municipal”. Com alívio, constata: “Seguimos atendendo vistorias de casas em situação de risco, por conta das chuvas excessivas, mas agora tudo voltou ao normal”.
“Não houve a necessidade de acionamento do Plano de Ação de Emergência do barramento”, diz a Cemig, porque o grande afluxo de água “não afetou a segurança estrutural da barragem devido à correta operação do seu reservatório”.
Às 15:27 do dia 18, a vazão defluente da Barragem do Cajuru era de 121,7 m³/s. No dia seguinte, às 14h, informou a empresa, o reservatório, com capacidade máxima de 192,7 hm³ (hectômetros cúbicos), tinha 52,61% do seu volume útil. As vazões afluentes (68,48m³/s) e defluentes (118,46m³/s) já haviam caído fortemente.
Cidades desprotegidas
O presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Pará, José Hermano Oliveira Franco, compara: “Aqui temos um diferencial em relação ao [Rio das] Velhas, não há essa imensidão de barragens [de rejeito de mineração], só de água”. Mas destaca: “Fica evidente que as cidades não estão preparadas para as mudanças climáticas e na nossa Bacia não é diferente”.
Embora essas últimas chuvas sejam “do tipo que enche caixa d’água, constantes, sem pancadas excepcionalmente fortes”, o prolongamento da precipitação trouxe “muitos prejuízos, principalmente em propriedades públicas e privadas, estradas, animais, pastagens”, calcula. A área mais afetada é o “Baixo Pará, a que mais sofre esses efeitos todos e ainda é represado pelo São Francisco quando ele está cheio”.
Franco conclama: “Agora é avaliar o tamanho do dano, proceder às recomposições necessárias e aprender. Esperamos que isso ajude todos a pensarem que precisamos criar formas de respeitar o meio ambiente e as águas e lidar com as mudanças climáticas”.
Assessoria de Comunicação CBH Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Paulo Barcala
Fotos: Leo Boi