A Cobrança pelo uso da água, importante instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos, iniciou em 2016 na Bacia do Rio Pará. Através da Cobrança, o Comitê consegue realizar diversas ações no sentido de garantir água em qualidade e quantidade para seus múltiplos usos – seja nas atividades econômicas, seja para abastecimento humano.
Porém, a inadimplência dos usuários de água é um obstáculo para que o CBH do Rio Pará execute suas ações. Segundo dados do IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas), apenas em 2023, 70% das outorgas concedidas não foram devidamente pagas, gerando um impacto de 36% dos recursos financeiros destinados ao Comitê.
O Comitê de Bacia Hidrográfica, também chamado de “Parlamento das Águas”, é responsável por, segundo a Lei nº 9433/97, “promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes”. Embora não seja a única entidade do Estado competente para isso, uma vez que, no âmbito do CBH, a participação entre os diversos atores que compõem a sociedade é assegurada, o Comitê de Bacia se torna o lugar preferencial para que a gestão das águas seja discutida de forma ampla e descentralizada.
Para que todas as vozes sejam ouvidas na discussão sobre como garantir os usos múltiplos da água, no entanto, é necessário investimento. Nesse sentido, a mesma lei que regula a atuação dos Comitês instituiu também a Cobrança pelo uso da água como um dos instrumentos de gestão da água da Política Nacional de Recursos Hídricos, como forma de garantir os recursos financeiros necessários para cumprir sua missão.
Mas arrecadar recursos não é o único objetivo da Cobrança. Se de um lado ela dá ao usuário a consciência do real valor da água enquanto recurso finito e, hoje, escasso, de outro o incentiva ao seu uso racional – isto é, promove a utilização da água estritamente dentro da real necessidade, seja para irrigar uma lavoura ou para abastecer uma população.
Cada CBH é competente para estabelecer suas próprias diretrizes de Cobrança pelo uso da água, incluindo o que seria um volume significante para ser cobrado bem como qual valor cobrar por esse uso. Assim como é competente também para decidir – enquanto fórum de discussão entre poder público, iniciativa privada e sociedade civil – onde e como investir esses recursos.
Acontece que, no meio do caminho tinha uma pedra: a inadimplência.
O caminho
Na Bacia Hidrográfica do Rio Pará, a arrecadação da Cobrança foi realmente iniciada em 2017. Porém, entre o efetivo início da Cobrança e o ano de 2020, o recurso esteve contingenciado pelo Estado de Minas Gerais – o que significa, na prática, que o uso da água era cobrado, mas o CBH do Rio Pará não conseguia, de fato, utilizar o recurso. ”Efetivamente foi a partir de 2019 que a gente conseguiu começar a trabalhar com esse recurso arrecadado”, conta Túlio de Sá, presidente do Comitê. “Vivemos a pandemia [da Covid-19] no meio do caminho. Porém, mesmo com o isolamento social, a gente estava estudando e começando a avaliar os projetos a serem implantados pelo Comitê”, relembra.
Túlio comemora também o fato de que o acesso aos recursos, antes negado, abriu espaço para diversas ações no território da bacia. Com o fim do isolamento social, o Comitê colocou em ação o que havia planejado. “A gente teve a Expedição pelo Rio Pará no ano passado. Foi um projeto grande, envolvendo os municípios da bacia com o Comitê. Este ano nós lançamos um Programa de Saneamento Rural para seis municípios da bacia. O PEA [Plano de Educação Ambiental] também foi aprovado no ano passado, e o CBH do Rio Pará foi o primeiro, entre os Comitês de Bacia de Minas Gerais, a ter um Plano assim”, celebra.
José Hermano Franco, secretário do CBH do Rio Pará, também pensa como Túlio. Para ele, o Comitê precisa ter um Plano de Comunicação robusto para que as pessoas entendam o que é e como atua um CBH. “Eu entendo que, como o Comitê é um órgão de mobilização, uma coisa que ele tem que ter muito forte é a capacidade de comunicação. Então, uma das primeiras coisas que foi contratada foi um Programa de Comunicação, porque a gente precisa que as pessoas voltem a conhecer o Comitê, a bacia, o rio… A gente andou também com os primeiros projetos de conservação e recuperação de manancial. Para nós, o objetivo era que as pessoas vissem: ‘olha, o que a gente paga pelo uso da água está voltando para a bacia de alguma forma’. Então eu falei: ‘o próximo passo é o Plano de Educação Ambiental (PEA)”, reflete Hermano.
Túlio de Sá e José Hermano Franco falam sobre a importância do acesso aos recursos da cobrança
A pedra
A inadimplência é um obstáculo para todos os Comitês de Bacia Hidrográfica. Às vezes visto como um imposto, outras como um custo a mais na cadeia de produção de uma atividade econômica, o usuário nem sempre percebe o retorno do valor cobrado pelo uso da água na sua propriedade. Esse gargalo impede, inclusive, que o usuário conheça o CBH do seu território e suas ações.
Para se ter uma ideia do que se deixa de arrecadar quando o usuário não paga pelo uso da água, de acordo com o IGAM, só em 2023 o CBH do Rio Pará viu mais de R$ 1,7 milhão deixarem de ser pagos pelos usuários da bacia, o que corresponde a 36% do que foi cobrado. Esse valor supera o investimento planejado no Plano de Investimento Anual (PIA) de 2021 e quase equivale ao valor destinado às Ações de Planejamento do PIA de 2023. Ainda segundo os dados do Instituto, 70% das intervenções outorgadas em 2023 não foram pagas.
Se formos comparar com os recursos dimensionados para o Plano de Educação Ambiental, a ser executados em 10 anos, a inadimplência em 2023 engoliu quase 50% desses recursos. É um impacto importante que, na ponta, impede que o usuário compreenda por que paga pelo uso da água e como esses recursos são investidos – uma vez que é através da comunicação que o CBH pode demonstrar que a Cobrança pelo uso da água beneficia cada outorga aprovada pelo IGAM. Tudo isso gera um círculo vicioso.
O Diretor-Geral do IGAM, Marcelo da Fonseca, reconhece que o problema é grave. “Infelizmente, a gente sofre um nível de inadimplência elevado em Minas Gerais. Essa inadimplência tem aumentado em todo o estado. O número de usuários inadimplentes ultrapassa a casa dos 50,6%. Isso não significa 50% do valor cobrado. Em termos de valor, esse percentual desce um pouco, porque os grandes usuários, principalmente as companhias de saneamento e grandes empresas, tendem a ser adimplentes com a Cobrança”, afirma.
Para Hermano, o Comitê precisa divulgar as suas ações e demonstrar na prática que a Cobrança pelo uso da água gera benefícios palpáveis para os usuários. “É a hora de começar a falar agora sobre a inadimplência para, aos poucos, a gente ir convencendo as pessoas novamente de que o recurso vai voltar para elas de alguma forma, de que o dinheiro que ele investe não está sendo jogado fora. Eu entendo as pessoas estarem desconfiadas, eu entendo as pessoas não pagarem. Não concordo, mas entendo. Vamos trazer as pessoas de volta pro rio, porque a gente precisa dele, há 1 milhão de pessoas em volta dele”.
Túlio também aposta na divulgação para reverter esse cenário. “Queremos mostrar, com esses projetos que temos feito, como a Expedição, como a Semana do Rio Pará, a importância dessa arrecadação para a bacia. Precisamos envolver todos os usuários, trabalhar muito com comunicação, muito com educação, e ver se a gente consegue trazer esse pessoal para o nosso lado e mostrar a importância da Cobrança”, conclui.
Assessoria de Comunicação do CBH do Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Leonardo Ramos
*Fotos: Bianca Aun; João Alves; Leo Boi; Viviane Lacerda