Revista Rio Pará nº 2: Mais coragem do que juízo

15/03/2024 - 10:17

Ex-presidente e atual secretário do CBH Rio Pará fala da construção da credibilidade como chave que abriu um novo tempo para o Comitê

 

José Hermano Oliveira Franco, biólogo com pós-graduação em Gestão de Projetos e estudante de Direito, presidiu o CBH do Rio Pará por quase dois mil dias, entre 2018 e 2023. Natural de Pará de Minas, pai de um adolescente de 16 anos, é titular da Secretaria de Agronegócio e Meio Ambiente do município. Em setembro último, foi eleito secretário do CBH.

Nesta entrevista, fala de sua longa gestão como presidente do Comitê, das ameaças ao rio e ao meio ambiente, da Expedição que percorreu a bacia em maio de 2023, das razões que o levaram a abraçar a causa da preservação dos recursos hídricos e dos desafios que a nova gestão do Comitê precisará enfrentar.

Você exerceu a presidência do CBH do Rio Pará nos últimos cinco anos. Que balanço faz da evolução do Comitê nesse período?

Desde o início, ainda na reunião de eleição da diretoria, sabia que o mais importante era brigar pelos recursos da cobrança, que estavam contingenciados. Sem dinheiro, nada do que falássemos iria acontecer, íamos ficar nos reunindo e passando raiva. Brigamos até que a coisa fluiu, aceitaram um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] depois de duas ações contra o governo de Minas. No final de 2020 entrou o primeiro recurso.

Não tínhamos instrumentos de gestão, ninguém conhecia o rio. Listamos prioridades, a primeira foi o Termo de Referência para contratar uma equipe de comunicação, depois rever o enquadramento dos cursos d’água. Fui a uma reunião de Comitês Afluentes do CBH do Rio São Francisco, não levei nenhum Power Point, falei no “gogó” e o pessoal do CBH disse que ia nos ajudar. Liberaram um recurso para a revisão do enquadramento.

Na sequência, a gente precisava construir credibilidade, fazer coisas no chão de fábrica. Eu estava preocupado com a qualidade da água, mas ainda mais com a quantidade. Hoje temos o Programa de Conservação Ambiental e Produção de Água e um para o Saneamento Rural. O CBH do Rio Pará mostrou que dá conta de fazer. As pessoas estão vendo agora, mesmo que o ritmo seja burocrático, por ter que seguir todos os trâmites, que as coisas terminam acontecendo, um termômetro de credibilidade.

Agora vamos trabalhar a educação ambiental e conhecer mais o rio. Contratamos uma empresa, houve várias rodadas de diagnóstico, de prognóstico, em todas as regiões da bacia. Depois fizemos a apresentação do Plano, reunindo, no total, de 700 a 800 pessoas. O Plano foi aprovado, uma educação além do lúdico, além de plantar mudinhas, que seja também para empresas, agricultores, para quem atua sobre os recursos hídricos da bacia.

 

Quais são os principais marcos dessa caminhada e o que faltou fazer de importante?

Nessa construção inicial, tudo que foi planejado foi feito. O monitoramento da bacia e a discussão do valor da água, isso ainda tem que ser enfrentado. O caminho adotado realça a qualidade do trabalho. O Programa de Conservação, por exemplo, durará seis anos. Um engenheiro agrônomo vai morar dois anos e meio nas comunidades para ajudar no dia a dia.

 

Como você avalia os resultados da Expedição ‘Esse Rio é Meu’?

A ideia nasceu a partir do momento em que eu perguntei em uma plenária: “Quem conhece a nascente do Pará”? Eu não conhecia, ninguém conhecia. A gente não conhece o rio, como fazer com que as pessoas defendam o que não conhecem e não dão valor? Isso foi no final de 2021. Aí fomos amadurecendo a proposta de fazer uma expedição da nascente à foz, passando por diversas cidades. Era para ter saído no meio de 2022, mas as restrições da lei eleitoral impediram.

De navegação mesmo foi só nos últimos 40 km, chegando à foz. Fomos extremamente bem recebidos em todos os lugares, com boa vontade e ansiedade, no bom sentido, porque as pessoas querem valorizar o rio. O Comitê tem um discurso direto. Tem problema? Tem, mas estamos aqui para ajudar a construir as soluções. Isso foi muito bem recebido, mesmo quem não gosta do CBH concordou. A expedição chacoalhou, mostrou o Comitê, trouxe gente para falar dos seus problemas. Temos que continuar fazendo isso. Pro futuro, vejo umas sete ou oito expedições. É muito necessário.

O Comitê do Rio das Velhas, por exemplo, tem toda uma história, desde o Projeto Manuelzão, uma mobilização antiga, atravessa BH, é mais visto. A gente tem menos holofote. Ninguém lembra que o Rio Pará existe. A expedição botou a gente no cenário. O pessoal no Encob [Encontro Nacional dos Comitês de Bacia Hidrográfica], realizado em Natal (RN) em 2023, ficou surpreso: “Estão fazendo isso tudo?”.

 

O que o levou a abraçar essa causa e como isso mexeu com a vida do cidadão José Hermano e com sua maneira de ver o mundo?

Sou biólogo de formação, minha área de interesse era Bioquímica e Imunologia, mas isso ficou para trás. Meu primeiro emprego como biólogo foi numa ONG. Sempre gostei de florestas. Fui a um seminário internacional de revitalização de rios. Não sabia nada, tinha dois meses de ONG. Conversei com um palestrante norueguês. “Vamos tomar um café”, ele disse. “Eu quero café e você precisa entender sobre ONGs”. Duas horas de anotação e a cabeça a mil. Foi a mesma coisa com um cara da Coreia do Sul, que falou da importância dos projetos. Por causa disso fui fazer pós-graduação em Gestão de Projetos na PUC.

Não sou “super-verde”, tenho uma veia desenvolvimentista. Temos que navegar nesse mundo dos carros, das indústrias. Fui membro do Copam [Conselho Estadual de Política Ambiental], do Conselho Estadual dos Recursos Hídricos e fui parar no CBH em 2018. O Túlio [Túlio de Sá, atual presidente do CBH Rio Pará e representante da Fiemg] me ligou, me chamou para formar a chapa, mas disse: “Você tem que ser o presidente, ninguém quer ser”. Eu tenho mais coragem do que juízo. Em 2012, fui na Rio + 20. O prefeito da Cidade do México falou: “As coisas acontecem nas cidades”. Me tornei municipalista. Conversei com um ex-prefeito de Copenhagen sobre espaço e qualidade de vida, a conexão entre as pessoas e a natureza. Ele botou ciclovias para todo lado, o povo chamou de doido, mas depois tinha engarrafamento de bicicletas. Foi reeleito cinco vezes.

 

Que desafios a nova gestão deve tomar como prioridades?

Como secretário da gestão atual, acho que precisamos nos aproximar mais do poder público, do estadual, mas do municipal principalmente, para mudar a visão. Ainda são distantes, veem a gente como inimigo, mas, ao contrário, a gente traz progresso. Temos que chegar mais perto, essa união é capaz de fazer transformações muito maiores. Acho que tinha que ter gente profissionalizada nos Comitês, iria render muito mais. Temos representantes de sindicatos rurais, da Faemg, da Fiemg. Agora é trazer o poder público. Esse desafio já é difícil o suficiente.

Me inspiro na frase do Otávio Kaxixó, “Nós não somos o regresso, como dizem por aí. Nós somos o progresso”. Estamos falando em produzir mais e melhor, e precisamos fazer com que isso seja compreendido. Agradeço todo mundo que atravessou conosco a pandemia com a telinha ligada, participando do Comitê. Só um doido falando, ninguém acredita. Tem que ter vários. O que fizemos até aqui foi trabalho de todo mundo. O Comitê é de todo mundo. Durante a pandemia, deu tempo para que a construção fosse sendo feita aos poucos, mas o resultado é um salto sem precedentes. Tá redondinho, as coisas fluindo.

 


Assessoria de Comunicação do CBH do Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Paulo Barcala
Foto: João Alves

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará

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