Revista do CBH do Rio Pará nº3: País em Chamas

16/01/2025 - 10:00

Recorde de incêndios florestais destrói milhares de hectares de vegetação – na bacia do Pará, em MG e no Brasil como um todo

Uma enorme coluna de fumaça preta tomou conta do céu de Pará de Minas. Durante quase uma semana, os moradores viveram momentos tensos ao verem um incêndio descontrolado se alastrando pela vegetação nos morros ao redor da cidade. Os bombeiros trabalhavam incansavelmente na luta contra os focos e a guerra parecia difícil de ser vencida, já que a todo momento novos focos surgiam.

O vento tornava a situação ainda mais complicada. Enquanto os militares se concentravam no combate ao fogo em determinado local, rapidamente as chamas conseguiam se espalhar. Nesta, cerca de 1 mil hectares de vegetação acabaram destruídos.

Pará de Minas, no Baixo Rio Pará, tem cerca de 97 mil habitantes e em agosto enfrentou um dos maiores incêndios florestais já registrados na cidade. Foram centenas de focos, concentrados principalmente em quatro regiões: Serra da Torre, Serra do Caracol, Vilarejo de Gorduras e povoado de Meireles. Para conseguir controlar o incêndio, o Corpo de Bombeiros trabalhou por seis dias e teve que dividir as equipes em diferentes locais. Os brigadistas usaram abafadores e até um drone para mapear os locais onde havia fogo.

O povoado de Meireles foi um dos mais atingidos. “Foi tudo muito rápido. Quando vimos o fogo já estava por toda parte. Ficamos desesperados, com muito medo de que as chamas chegassem até nossa casa”, conta Débora Ribeiro, produtora rural que mora na comunidade.

 

Brasil que arde

Em 2024, o número de queimadas no Brasil bateu recorde. Segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), até setembro foram mais de 200 mil focos – o maior número desde 2010. Na comparação com 2023, o número praticamente dobrou. A situação afetou todas as regiões do país. Na Amazônia, o Instituto Greenpeace afirmou que o registro de queimadas foi o maior em quase duas décadas.

Os meses de agosto e setembro são considerados os mais críticos, marcados pelo pico no número de registros de incêndio em vegetação em Minas Gerais. Os números mostram que 2024 já é um dos anos com maior número de focos de incêndio na história do estado. Um levantamento feito pelo Corpo de Bombeiros revela que, só de janeiro a agosto deste ano, Minas registrou 20.236 casos de incêndio em vegetação. O número já é 18% maior que o total de casos em 2023, quando houve 17.135 ocorrências.

 

Fogo aqui também

Ao longo da bacia do Rio Pará, a situação também foi crítica. O 10º batalhão do Corpo de Bombeiros, com sede em Divinópolis, é responsável pelos chamados em 54 cidades da região Centro-Oeste de Minas Gerais – onde se concentra a maior parte da bacia hidrográfica. De janeiro a agosto deste ano, foram 2.646 incêndios, 15% a mais do que o registrado ao longo de todo o ano passado.

Divinópolis, maior cidade da bacia do Rio Pará, é o município com mais casos de incêndios em vegetação em Minas Gerais. De janeiro a agosto deste ano, os bombeiros atenderam a 886 ocorrências de incêndios em vegetação apenas em Divinópolis, 40% a mais que no mesmo período de 2023.

O capitão Ívano Brandão, chefe da seção de planejamento do 10º batalhão do Corpo de Bombeiros, afirma que “desde 2019, Divinópolis tem enfrentado um aumento significativo no número de incêndios florestais. Dados recentes mostram que a cidade não apenas mantém essa posição de evidência, mas também tem visto um crescimento preocupante nos registros de queimadas. A situação se agrava especialmente durante o pico do período de estiagem, que em 2024 se mostrou particularmente severo, com a baixa umidade e altas temperaturas contribuindo para a propagação rápida das chamas”, alerta.

Especialistas afirmam que o grande número de queimadas pode trazer consequências graves para a qualidade e quantidade das águas na bacia do Rio Pará. “Essa situação gera uma série de impactos. No contexto imediato, com a fumaça das queimadas vamos ter um aumento do aporte de matéria orgânica e inorgânica, que vai atingir os rios. Com isso, em um contexto em que os cursos d’água estão com volume baixo, vamos ter um efeito concentrador dessas substâncias, e isso pode ser nocivo para a qualidade da água”, explica Ludmila Brighenti, bióloga e conselheira do CBH do Rio Pará.

Ainda segundo Ludmila, que é professora e pesquisadora na UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais) em Divinópolis, a médio e a longo prazo os impactos dos incêndios podem ser ainda mais severos. “Dependendo da intensidade das queimadas, se a gente tem a destruição da vegetação daquela área, o solo fica menos propenso para a retenção da água. A água vai escorrer, promovendo mais enchentes e erosões de solo. E isso vai comprometer também as nascentes, porque não vamos ter a recarga dos lençóis subterrâneos”, alerta.

Entre janeiro e setembro de 2024, segundo o INPE, foram mais de 200 mil focos de queimadas no Brasil – o maior número desde 2010.

Pegada humana

Professora da UEMG e conselheira do CBH do Rio Pará, Ludmila Brighenti chama a atenção para impacto das queimadas nas reservas de águas.

As autoridades monitoram a situação com extrema preocupação e afirmam que, além das condições climáticas, com o longo período de estiagem e tempo seco criando situações favoráveis para propagação das chamas, outros fatores contribuem para o crescimento dos casos. As estatísticas mostram que o maior gatilho para os incêndios é a ação humana, responsável por nove a cada dez casos registrados em Minas Gerais.

“Acredito que a falta de consciência das pessoas seja a principal causa disso. A maioria dos incêndios em vegetação é provocada pela ação humana. Em meses com mais vento, como é agosto, a situação tende a se complicar bastante. Porém, a ação humana tem agravado muito esse cenário. Ou seja, com as mesmas condições climáticas, mas sem a ação do homem, certamente teríamos o registro de incêndios, mas não seriam tantos casos”, afirma Rodrigo Belo, Gerente de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais do Instituto Estadual de Florestas (IEF).

 

 


Assessoria de Comunicação do CBH do Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Ricardo Miranda
Ilustração: Clermont Cintra
Fotos: João Alves e Fernando Piancastelli

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará

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