Nova lei estabelece um marco regulatório nacional visando uniformizar, agilizar e desburocratizar o processo, mas gera debates sobre impactos e eficácia
Em 8 de agosto de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 15.190/2025, conhecida como Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Essa legislação representa um marco na regulamentação ambiental brasileira, estabelecendo normas gerais para o processo de licenciamento de atividades e empreendimentos que utilizam recursos ambientais, que são potencialmente poluidores ou capazes de causar degradação. Para os membros e comunidades das bacias hidrográficas, como do Rio Pará, compreender essa lei é essencial, pois ela influencia diretamente a gestão de projetos que afetam os recursos hídricos e o equilíbrio ecológico das regiões.

Agricultura irrigada é uma das atividades que dependem do uso intensivo da água e estão diretamente ligadas ao licenciamento ambiental.
O licenciamento ambiental é um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) que avalia os impactos de atividades humanas no ambiente antes de sua aprovação. Ele visa garantir que projetos, como construções de usinas hidrelétricas, agricultura em larga escala ou indústrias, sejam realizados de forma sustentável, minimizando danos à natureza e à sociedade. No contexto das bacias hidrográficas – áreas definidas pela drenagem natural das águas de um rio e seus afluentes –, o licenciamento é crucial para proteger a qualidade da água, a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, como o abastecimento e a prevenção de enchentes.
A nova lei busca uniformizar esses procedimentos em todo o país, resolvendo ambiguidades que existiam na legislação anterior e promovendo maior eficiência. Ela não substitui as leis estaduais ou municipais, mas fornece diretrizes nacionais, respeitando a divisão de competências entre União, estados e municípios, conforme a Lei Complementar nº 140/2011.
Dos quase 400 dispositivos da lei que receberam aval no Legislativo, o presidente vetou 63, evitando a implementação da licença automática, reforçando a proteção de áreas sensíveis e garantindo a exigência de estudos de impacto ambiental para projetos prioritários.
Um dos pontos polêmicos é a proposta de nacionalizar a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), uma prática já realizada nos estados. Nesse modelo, se um novo empreendimento é planejado sem desmatar vegetação nativa, o responsável encaminha pela internet a documentação necessária. Uma autorização é gerada, praticamente de forma automática. O procedimento vale para atividades de baixo impacto e fica dispensada a análise prévia do órgão ambiental, com o compromisso do empreendedor de cumprir as normas ambientais.
O Congresso aprovou conceder esse tipo de liberação mediante informações sobre características da área, condições de operação da nova atividade, impacto ambiental e medidas de controle ambiental. No entanto, um estudo do Observatório do Clima, realizado pelos professores Luís Sánchez, da Universidade de São Paulo (USP), e Alberto Fonseca, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), apontou o risco de uma “proliferação” da autodeclaração nos estados.
Para a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), o veto à nova Lei de Licenciamento Ambiental representa um retrocesso. “Os vetos enfraquecem um marco regulatório que, embora não tenha alterado parâmetros de proteção de áreas de preservação permanente, reservas legais, emissões atmosféricas e efluentes líquidos, trouxe celeridade, previsibilidade e segurança jurídica ao processo de licenciamento no Brasil — condição essencial para atrair investimentos, destravar obras públicas e gerar empregos”, disse Flávio Roscoe, presidente da federação.
A entidade afirmou que atuará pela derrubada das restrições junto aos parlamentares, como parte do movimento “Licenciar não é destruir”. “Eu acredito que os vetos são um retrocesso para o país. Infelizmente, nessa pauta ambiental, as pessoas não compreendem a função do licenciamento, que é fazer com que as empresas sigam a lei. E a nova lei do licenciamento não alterou nenhum parâmetro do que as empresas têm que fazer ou não do ponto de vista ambiental, ela só deu celeridade e segurança jurídica ao processo”, acrescentou Flávio Roscoe.

Presidente da FIEMG, Flávio Roscoe avalia vetos à nova Lei de Licenciamento Ambiental em Minas Gerais
ENTENDA O QUE MUDA COM VETOS AO PROJETO QUE ENFRAQUECE REGRAS DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL:

Licença por Adesão e Compromisso (LAC)
Impede ampliação de licença simplificada para atividades de médio potencial poluidor, evitando que isso se aplique a empreendimentos de risco, como barragens de rejeitos.

Sem regionalização
Mantém padronização nacional sobre potencial poluidor e tipos de licenciamento. A medida foi tomada para evitar que estados e municípios criem regras mais frágeis para atrair investimentos.

Mata Atlântica
Preserva regime especial de proteção, impedindo corte de floresta nativa.

Povos indígenas e quilombolas
Garante consulta ampla a órgãos competentes, incluindo comunidades em processo de reconhecimento.

Condicionantes ambientais
Permite exigência de medidas compensatórias também para impactos indiretos e sobre serviços públicos.

Cadastro Ambiental Rural (CAR)
Não haverá dispensa de licenciamento ambiental para produtores rurais com CAR ainda pendente de análise.

Unidades de Conservação
Segue obrigatória a análise técnica de órgãos gestores antes de licenciar obras em áreas ambientalmente sensíveis.

Licenciamento Ambiental Especial (LAE)
Foi vetado modelo monofásico (todas as licenças de uma vez) por risco jurídico e custo antecipado.

Instituições financeiras
Mantida obrigação de só financiar projetos com licenciamento ambiental aprovado.
As implicações da nova Lei Geral de Licenciamento Ambiental para a bacia do Rio Pará incluem a descentralização da decisão do que é licenciado para estados e municípios, o que pode reduzir a fiscalização de atividades potencialmente degradadoras e a proteção de áreas sensíveis na bacia. A criação de licenças aceleradas, como a Licença Ambiental Única (LAU) e a Licença Ambiental Estratégica (LAE), e a flexibilização de critérios, podem aumentar a pressão sobre os recursos hídricos e a vegetação nativa, afetando a qualidade da água, a disponibilidade hídrica e a biodiversidade local.
Adriano Guimarães Parreira, membro do CBH Rio Pará, alerta para os riscos que a LAC pode trazer à bacia. “Sem dúvidas, a LAC e a isenção para atividades rurais podem aumentar o risco de impactos cumulativos, como o uso excessivo de agrotóxicos ou a degradação de matas ciliares, especialmente em bacias já fragilizadas. Além disso, a desvinculação das outorgas hídricas exige maior integração entre o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) para evitar conflitos de uso da água, principalmente em regiões com escassez sazonal, como o Norte de Minas”, disse.
Ele também destaca que a fiscalização é um dos pontos mais preocupantes da proposta. “No contexto da nova proposta de licenciamento ambiental em Minas Gerais, é imprescindível fortalecer a fiscalização. O processo de licenciamento não pode se restringir a uma formalidade burocrática. É fundamental garantir condições concretas de acompanhamento e monitoramento das atividades licenciadas, o que depende diretamente da estrutura e do corpo técnico dos órgãos responsáveis”, complementou o membro do CBH do Rio Pará.
Para Adriano, o cenário atual de escassez hídrica reforça a necessidade de atenção especial à gestão ambiental. “Momentos delicados como o atual — em que o IGAM declarou situação crítica de escassez hídrica no Rio Pará, com impactos diretos sobre a população e o setor produtivo —, mostram a urgência de reforçar a fiscalização. Sem isso, corremos o risco de agravar vulnerabilidades sociais, ambientais e econômicas. Por outro lado, vejo aspectos positivos: a exigência de maior transparência com os sistemas eletrônicos pode facilitar o acesso a informações e permitir que os comitês acompanhem as atividades rurais com mais precisão. Além disso, a isenção para pequenos produtores pode estimular a adesão ao CAR e incentivar práticas de conservação, como a recuperação de APPs, beneficiando diretamente a qualidade da água”, finalizou Adriano.
DISPENSA DE LICENCIAMENTO EM MG
Enquanto a nova lei nacional altera o licenciamento ambiental, Minas Gerais aprovou, em julho de 2025, alterações locais nas normas que regulam propriedades rurais, via Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). A decisão permite a dispensa de licenciamento para propriedades rurais de até 1.000 hectares voltadas à pecuária extensiva e ao cultivo de lavouras anuais.
A dispensa de licenciamento beneficia, especialmente, o pequeno e médio produtor e se aplica somente nos casos que não precise fazer intervenção no ambiente, como um corte de árvore, por exemplo. José Dirino Arruda, produtor rural e representante do Sindicato dos Produtores Rurais de Martinho Campos no CBH do Rio Pará, destacou sua preocupação com os rumos do licenciamento ambiental em Minas Gerais. “Esse tipo de licenciamento, da forma como foi aprovado, representa alguns excessos. Sou contra excessos! Não adianta pagar por danos ambientais, porque o meio ambiente não quer saber de dinheiro: ele precisa ser preservado”, disse.
Para o produtor rural, é necessário mais bom senso. “O assoreamento dos rios é um exemplo claro do que acontece quando não há cuidado. Achei um absurdo a mudança proposta pelo governo Zema, que, na prática, beneficia mais os grandes produtores. Nós, pequenos produtores rurais, sabemos da importância de produzir, mas precisamos fazer isso mantendo o meio ambiente saudável, porque sem ele não existe produção sustentável”, finalizou José Arruda.

Impactos cumulativos de atividades como a mineração reforçam a importância do licenciamento ambiental responsável e da fiscalização efetiva. Produtor rural e membro do CBH do Rio Pará, José Arruda defende práticas sustentáveis no campo e critica mudanças que favorecem grandes empreendimentos.
Assessoria de Comunicação do CBH do Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio
Fotos: João Alves, Bianca Aun e
divulgação FIEMG | Sebastião Jacinto Júnior
