Combinando ciência, tecnologia e saberes ribeirinhos, CBH do Rio Pará mapeia e cria sistema para orientar ações de navegabilidade, preservação e gestão das águas
O ato de descobrir um mundo pode ser resumido em uma palavra: expedição. Expedir-se, expandir fronteiras, sejam elas territoriais ou do conhecimento científico, é uma prática que acompanha a humanidade. Das grandes expedições marítimas pelos oceanos às viagens científicas que marcaram o Brasil, o impulso sempre foi o mesmo: explorar e compreender. No mundo contemporâneo e conectado, a expedição se renova.
Pode ocorrer em terra, como antigamente, ou através da tecnologia de ponta, com drones e equipamentos avançados. Independentemente da forma, o desejo permanece: conhecer as características da região e os atores que a influenciam. Foi nesse horizonte que o CBH do Rio Pará adotou uma metodologia inédita, utilizando tecnologia avançada para compreender, de maneiras novas, a própria bacia que protege.
Combinando tecnologia de ponta, participação social, visitas ao leito do rio e uma metodologia que integra diferentes perspectivas, o Comitê desenvolveu uma interface inédita de mapeamento hidrográfico. Mais do que um registro de pontos navegáveis, a ferramenta se tornou um instrumento estratégico para orientar futuras ações e expedições por terra. O projeto ganhou profundidade a partir das oficinas com a comunidade: ribeirinhos e moradores contribuíram com informações próprias, registrando experiências que vão além dos mapas tradicionais. “A entrega superou nossas expectativas. O que começou como um mapeamento de navegação transformou-se em uma ferramenta muito mais ampla, capaz de reunir e valorizar o conhecimento local sobre a bacia”, ressalta Túlio de Sá, ex-presidente do CBH do Rio Pará.
O mapeamento hidrográfico, realizado pela empresa Terra Brasil entre maio e junho deste ano, percorreu o Rio Pará desde o município de Passa Tempo até a sua foz, nas regiões de Martinho Campos e Pompéu. O levantamento revelou detalhes até então desconhecidos: variações de profundidade e largura da calha fluvial, obstáculos à navegação, ações humanas, barragens e a indicação dos tipos de embarcação mais adequados para cada trecho. Mais do que um levantamento técnico, tratou-se de um verdadeiro trabalho de expansão do conhecimento sobre a bacia, esclarecendo aspectos que orientam sua gestão e preservação.

Registro da equipe técnica em ação durante os trabalhos de mapeamento hidrográfico do Rio Pará, entre maio e junho de 2025.
HISTÓRICO
Em 2023, o CBH do Rio Pará percorreu mais de mil quilômetros em duas semanas, visitando 12 municípios da bacia. Foi durante essa primeira Expedição que surgiu o desejo de, no futuro, realizar uma travessia navegando o próprio rio. Segundo Túlio de Sá, “Naquele momento, percorremos os municípios por rodovias, parando em diferentes trechos do rio para encontros com a população. Foi então que pensamos: por que não realizar a próxima expedição navegando pelo leito do Pará? Mas havia uma dificuldade: não sabíamos exatamente quais trechos permitiriam a navegação”.
Dessa inquietação nasceu o projeto de mapeamento, que inicialmente tinha como objetivo identificar pontos navegáveis. Com o tempo, porém, a iniciativa se expandiu, passou a reunir informações sobre vazão, pontos de monitoramento, intervenções humanas irregulares, alterações do leito e, sobretudo, o conhecimento compartilhado pelas comunidades ribeirinhas. “O que começou como um estudo de navegabilidade transformou-se em uma ferramenta muito mais ampla, capaz de orientar pesquisas e fortalecer a gestão das águas”, ressalta Túlio.
Além da participação popular registrada nas oficinas, o mapeamento incorporou técnicas que vão além da simples coleta sistematizada, combinando metodologias inovadoras e tecnologia de ponta. Entre elas, destacou-se o aerolevantamento, que captou mais de 71 mil imagens aéreas, utilizou drones de última geração e mapeou mais de 140 pontos de controle georreferenciados, integrados à Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo (RBMC).
Além disso, foi realizado um levantamento expedito, técnica rápida e eficiente que permitiu identificar, em campo, características essenciais do território e obstáculos à navegação. A ação percorreu cerca de 294 km do Rio Pará, registrando formações naturais, estruturas humanas, pontos críticos e afluentes. Paralelamente, realizou-se a batimetria de alta precisão, método que detalhou a profundidade e a topografia do leito do rio. Os dados batimétricos foram fundamentais para indicar trechos de maior ou menor profundidade.

Túlio de Sá (esq.) destaca a importância da ferramenta para a gestão integrada das águas na bacia do Rio Pará. Trabalho de campo durante o mapeamento hidrográfico reuniu observações em tempo real e técnicas especializadas ao longo do leito do rio.
DESENVOLVIMENTO
Para muitos, acessar um aplicativo como este pode parecer simples diante dos avanços tecnológicos atuais. No entanto, desenvolver uma ferramenta desse porte exige tempo, programação avançada e dedicação. Segundo Artur Zanini, engenheiro de computação e analista de sistemas da Terra Brasil, o desenvolvimento da aplicação buscou superar limitações de visualização e acessibilidade. “Consideramos que diversas empresas, entidades e órgãos trabalham diretamente com o Rio Pará. A questão foi: como disponibilizar essas informações de forma acessível? Por isso optamos por um ambiente web responsivo, que permite que as pessoas não apenas acessem e recebam dados, mas também contribuam com informações que ainda não conseguimos visualizar. O rio muda constantemente, são justamente aqueles que vivem às suas margens os mais indicados para registrar essas alterações e enriquecer o mapeamento.”
Zanini ressalta também o papel da tecnologia na produção de conhecimento sobre o território, assim como nas expedições históricas. Ao aplicar geotecnologias ao contexto do rio, é possível identificar situações concretas que merecem atenção: trechos com corredeiras, áreas de agricultura ou pontos de degradação ambiental. “Quando você mostra onde está o impacto, dá sentido à informação. É aí que o geoprocessamento ajuda a compreender o problema e a propor soluções”, afirma. Para ele, a ferramenta criada traduz dados técnicos em conhecimento acessível, fortalecendo a gestão dos recursos hídricos e o cuidado com o Rio Pará.

Oficinas participativas reuniram representantes da sociedade em geral para integrar saberes técnicos e comunitários ao mapeamento do Rio Pará.
INTEGRAÇÃO
Para Túlio de Sá, ex-presidente do CBH do Rio Pará, a ferramenta representa muito mais do que um sistema de mapeamento de navegabilidade: ela simboliza uma mudança no modo de pensar e planejar ações para a bacia. “Ela será utilizada futuramente pelo órgão gestor, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), que já contribui com ideias. Com isso, teremos informações sobre áreas de preservação permanente do Rio Pará e a possibilidade de integrar essa camada aos sistemas de licenciamento”, destaca.
A estrutura da plataforma, segundo ele, abre caminhos para além do Rio Pará, permitindo sua expansão para outros afluentes e favorecendo a integração entre Comitês. As imagens em alta resolução captadas durante o levantamento possibilitam identificar trechos, avaliar a navegabilidade e, futuramente, monitorar níveis de água e elevação. “O que começou como uma pequena ideia transformou-se em um sistema robusto e rico em informações, acessível a todos por aplicativo ou site. Uma ferramenta que estará nas mãos de diversos segmentos da sociedade, fortalecendo a gestão das águas e o cuidado com o Rio Pará e seus afluentes”, conclui.
APLICATIVO
Uma versão de demonstração da aplicação já foi apresentada aos conselheiros e às comunidades participantes em julho deste ano e, em breve, estará disponível gratuitamente para acesso em dispositivos móveis e computadores. A expansão das fronteiras do conhecimento sobre a bacia do Rio Pará ganha, com esse mapeamento, novos sentidos e propósitos, abrindo caminho para ações que garantam sua navegabilidade e preservação. É o anúncio de novos tempos: de gestão mais integrada, de cuidado partilhado e de um olhar renovado sobre o rio e os seus afluentes.

Panorama do Rio Pará revela a grandiosidade da bacia e os desafios para sua navegabilidade e preservação. Arthur Zanini (dir.), analista de sistemas da Terra Brasil, destaca que a plataforma foi pensada para tornar os dados acessíveis e colaborativos.
Assessoria de Comunicação do CBH do Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: João Alves
Fotos: Fernando Piancastelli, Pedro Vilela e João Alves
