Estudantes, professores, poder público, catadores de recicláveis e produtores rurais formam um elo de cuidado com a cidade e as águas da bacia do Rio Pará e mostram a importância da educação ambiental
Era para ser para sempre, mas, feito um golpe, lá se foi a Forever. O nome que batizou o pé de manga foi dado por Lucas Felipe Santana Soares, que cuidou da muda da árvore frutífera desde que ela era apenas uma semente. Cumprindo uma atividade da escola, a missão do estudante de 14 anos, que está no 9º ano do ensino fundamental da Escola Estadual São Francisco de Assis, em Carmo do Cajuru (MG), era acompanhar cada etapa do desenvolvimento da mangueira. Quando a Forever ganhou corpo, era hora de ir para o solo.
O lugar escolhido foi ao lado da linha do trem da cidade de pouco mais de 20 mil habitantes do Médio Rio Pará. Edna Aparecida Santana Soares, mãe do estudante e professora aposentada, fez questão de acompanhar o dever de casa do adolescente. Por mais que o nome dado à mangueira mostrasse o desejo dela durar “para sempre”, o pé não resistiu à ação do homem e foi cortado, queimado ou, sabe-se lá como, deixou de ocupar aquele pedaço de terra.
Mas isso não abateu mãe e filho. “Sabe o que fizemos? Produzimos a Forever 2. Se a muda não vingar, já temos a nossa Forever 3. “Quando o Lucas passar perto da linha do trem e ver o pé de manga, vai lembrar que foi ele quem ajudou a plantar a árvore que vai dar sombra pra gente descansar, que vai dar a fruta pra gente comer, e isso tudo começou dentro da escola”, explica a mãe. Para Lucas, plantar árvores é construir um mundo melhor, mais verde. “Eu quero plantar mais árvores. Muitas. Meu sonho é plantar uma macieira”, conta o estudante.
QUANDO NÃO HÁ BARREIRA PARA DESENVOLVER A CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA
Tem um outro aluno da escola do Lucas que deixa de lado todos os limites físicos e dá exemplo de dedicação. Júlio César Camargos, de 22 anos, está no 3º ano do ensino médio e, mesmo com autismo e portador de deficiência auditiva, se empenha nas atividades ambientais. “Na escola, os alunos fizeram uma atividade de recolhimento do lixo que fica nas ruas. Quando a gente chegou em um condomínio onde passamos os fins de semana, o Júlio pegou um carrinho de mão e andou por todas as ruas para recolher o que encontrava pelo chão. Ele fez, sem que ninguém falasse nada, porque aprendeu com a escola a não deixar o lixo no chão”, conta Joviane Rabelo, mãe do estudante, professora de informática e assistente social.
Aluno do Ensino Médio da E. E. São Francisco de Assis, Júlio César Camargos supera limites e dá exemplo na preservação do meio ambiente.
As atitudes do estudante, segundo Joviane, ensinam quem está por perto. “Do jeito que pode, ele cuida das coisas. Quando ele percebe que aqui no quintal de casa uma planta não está muito legal, ele coloca água por conta própria. O Júlio consegue expressar como é importante cuidar do meio ambiente”, conta a mãe.
Segundo a Política Nacional de Educação Ambiental, instituída pela Lei nº 9.795/1999, a educação ambiental compreende os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente. É um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal.
É exatamente esse trabalho que o Eduardo de Souza Batista, diretor da Escola Estadual São Francisco de Assis, promove com o Lucas, o Júlio e com os outros alunos do ensino fundamental e ensino médio. Desde que está na gestão, foram feitas ações como o Vetores do Bem, que ensinou crianças e jovens sobre a importância de não deixar água parada para evitar o mosquito da dengue, a conscientização sobre o cuidado com o lixo na escola, além das visitas técnicas que são feitas na associação de catadores do município e na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). “A importância de trabalhar a educação ambiental com as crianças e jovens é para que a gente tenha uma sociedade mais sustentável”, explica o diretor.
Diretor da escola em Carmo do Cajuru, Eduardo Batista aposta na educação ambiental para termos uma sociedade mais sustentável.
CORRENTE PELA RECICLAGEM
Mas a ação que mais mobiliza a turma é a Gincana Sustentável. “Ela acontece entre as escolas, que competem para ver qual delas consegue arrecadar o maior volume de recicláveis durante um período. Esse material a gente manda para a Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Carmo do Cajuru (Recicarmo)”, conta Jéssica Bolina, Superintendente de Meio Ambiente e Fiscalização da Prefeitura de Carmo do Cajuru.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente, onde a Jéssica trabalha, movimenta não só as escolas, mas diversos parceiros para que eles destinem o material reciclável à associação, gerando renda para as famílias, como a da Aparecida de Fátima Santos. “São 11 pessoas trabalhando aqui com a gente. Com a reciclagem, nós aprendemos também a cuidar do meio ambiente para salvar o nosso planeta. Além da coleta do material nas casas do município, feita com o caminhão da prefeitura, nós também recebemos material reciclável das granjas e das escolas”, conta a integrante da associação.
Nessa rede que une alunos, educadores, catadores de material reciclável, empresas e a prefeitura, a cidade e a natureza saem ganhando. “Tudo está relacionado com o nosso futuro e ele depende do agora. Não é só se preocupar com o lixo, mas se preocupar com o lixo que a gente produz. Também precisamos nos preocupar com a alimentação. Na escola a gente fomenta a agricultura familiar, ao adquirir dos produtores rurais que, de certa forma, são grandes atores nessa educação ambiental. Alguns deles estão envolvidos com projetos como o Produtor de Água, que reconhece os proprietários rurais que preservam as nascentes. Isso tudo acaba unindo vários elos de uma grande corrente em prol do meio ambiente”, diz Eduardo.
Carmo do Cajuru, no Médio Rio Pará.
O CAMPO TAMBÉM ENSINA
Um dos “produtores de água” do projeto que o Eduardo menciona é o Halim Gontijo. Aposentado, há mais de 40 anos ele comprou sua terra na zona rural de Carmo do Cajuru com a venda de uma moto. Era o sonho de voltar às raízes. Quando chegou na roça, viu que o terreno estava todo erodido e não tinha água. “Cheguei aqui e comecei a fazer algumas coisas como curvas de nível, plantei capim para tentar segurar a água e não deixar ela escorrer. Tudo isso sem técnica. A gente vai no sentimento, na intuição. E não é que deu certo? O capim foi segurando toda aquela massa que descia com a terra e formou um terraceamento natural. Também fiz sistemas de calhas para a água escorrer e ir para o terreno. Plantei árvores em volta da casa, cerquei a nascente e, em quatro ou cinco anos, a água começou a aparecer”, conta Halim.
Educação ambiental em Carmo do Cajuru uniu elos de uma grande corrente, como Halim Gontijo e outros produtores rurais beneficiados pelo Programa Produtor de Água.
Desde 2016, o Projeto Produtor de Água, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), atua no município com apoio técnico e financeiro para implementação de práticas conservacionistas no campo. Segundo Jéssica, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, a “prefeitura já está partindo para o pagamento dos produtores e, há dois anos, o município foi contemplado com outro programa de apoio aos produtores de água, que é do CBH do Rio Pará”, explica ela, em referência ao Programa de Conservação e Produção de Água do Comitê, que atuará no Ribeirão do Sapé.
Durante a Semana do Meio Ambiente deste ano, foi feito um concurso de desenho com alunos das escolas do município para escolher a logomarca do Projeto Produtor de Água. O melhor desenho foi feito pela Taís Alves de Oliveira, 17 anos, que está no 3° ano do ensino médio na Escola Estadual Vigário José Alexandre. “Fazer um símbolo que representasse isso foi uma experiência única e eu fico feliz que as pessoas gostaram. Por mais que seja uma coisa que faz parecer pequena é de grande importância para mim, que sempre convivei em áreas rurais e sei da importância das nascentes. Na escola, a gente aprende que é preciso cuidar da natureza, se preocupar com os problemas ambientais, com recursos naturais e muito mais.”
Logomarca do Programa, feita por Taís de Oliveira, de 17 anos, venceu concurso de desenho entre as escolas do município.
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA BACIA DO RIO PARÁ
Para estruturar a educação ambiental em toda Bacia Hidrográfica do Rio Pará, diagnosticar as ações que já existem, como as que são feitas em Carmo do Cajuru, e reunir as necessidades e oportunidades em cada município, o CBH do Rio Pará está no processo de elaboração do Plano Continuado de Mobilização e Educação Ambiental.
O primeiro passo já foi dado. Após alinhamento com a Câmara Técnica de Educação, Comunicação e Mobilização (CTECOM) em torno do termo de referência, Comitê e Agência Peixe Vivo formalizaram a contratação da empresa que desenvolverá o plano.
“Nossa proposta é que, paralelamente ao trabalho de desenvolvimento do plano, possamos atuar com ações. Porque se a gente for esperar um projeto, fazer a estruturação dele e só depois começar as ações, seria um tempo muito grande”, explica Beatriz Ferreira, presidente da CTECOM do CBH do Rio Pará e professora da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), Campus Centro Oeste, em Divinópolis.
Beatriz Ferreira coordena a CTECOM do CBH do Rio Pará, que este ano inicia o seu Plano de Educação Ambiental.
A presidente da CTECOM acredita que é fundamental acontecer um processo de educação ambiental na bacia. “Temos que ter conhecimento, informação, conscientização, e todo esse processo perpassa a educação. Quando falamos em educação ambiental, essa importância vai muito além da escola. Claro que lá tem uma estrutura para passar esse conhecimento. Mas a educação ambiental também está dentro de casa e na gestão pública, porque ela está relacionada com a nossa própria existência enquanto humanidade. Se continuarmos a tratar a Terra da forma que tratamos, a gente vai esgotar os recursos do planeta que mantém a nossa vida.”
Pôr do sol em Cláudio, no Alto Rio Pará.
Assessoria de Comunicação CBH Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Michelle Parron
Ilustração: Clermont Cintra
Fotos: Léo Boi