Revista Pará nº 02: R$ 2,5 milhões em saneamento rural

16/02/2024 - 15:14

Programa do CBH do Rio Pará vai beneficiar sete comunidades de seis municípios da bacia

No crepúsculo do primeiro quarto do século XXI, o passado teima em imperar em muitos territórios. As fossas rudimentares ou o lançamento direto nos cursos d’água ainda são o destino do esgoto de cerca de 100 milhões de brasileiros, que seguem sem acesso ao tratamento adequado dos efluentes domésticos. Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), essa é a principal fonte poluente dos nossos rios.

Na bacia do Rio Pará, com seus 900 mil habitantes – 460 mil só na calha principal – a realidade, infelizmente, não é diferente. Informações do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, por meio da Infraestrutura de Dados Espaciais (IDE-Sisema) revelam que, dos 35 municípios que compõem a bacia, 71,4% não coletam nem tratam seus esgotos.

O Monitoramento da Qualidade das Águas Superficiais, produzido em 2022 pelo IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas), mostra ainda que, das seis estações de monitoramento instaladas no Rio Pará, três superam o nível mais crítico de tolerância a poluentes.

Técnicos da Agência Peixe Vivo têm visitado as comunidades rurais que serão beneficiadas para levantamento da situação.

Essa lacuna enorme consegue ser maior – e mais aguda – na zona rural. “É um terreno abandonado, uma situação que impacta na saúde das águas, pessoas e dos animais. A Funasa [Fundação Nacional de Saúde] fala, muita gente fala, mas ninguém faz”, observa José Hermano Franco, secretário do CBH do Rio Pará.

Pensando nisso, o Comitê lançou o seu Programa de Saneamento Rural, que vai aplicar cerca de R$ 2,5 milhões em sua primeira edição para beneficiar diretamente sete comunidades rurais em seis municípios, desde a nascente, em Resende Costa, até a foz, em Pompéu.

O Programa vem se juntar a diversas outras inciativas do CBH do Rio Pará, custeadas com os valores arrecadados com a cobrança pelo uso desse bem tão precioso, todas com o objetivo de proteger os recursos hídricos e colaborar para o aumento da qualidade e da quantidade da água – como o Programa de Conservação Ambiental e Produção de Água e o Plano de Educação Ambiental.

 

O PROGRAMA

Professor da UEMG e membro do CBH, Adriano Parreira destaca importância e eficiência das TEvaps e fossas sépticas biodigestoras.

Depois de aberto o período para manifestação de interesse por parte dos municípios, que findou em abril, a fase seguinte foi de criteriosa seleção de dois municípios em cada uma das regiões fisiográficas (Alto, Médio e Baixo Rio Pará), com a destinação de metade das vagas a comunidades tradicionais. O Programa vai oferecer soluções simples, eficientes e facilmente replicáveis para o tratamento domiciliar das chamadas águas negras no meio rural, atendendo aproximadamente 350 famílias.

As tecnologias ideais para cada caso, “que podem ser Tanques de Evapotranspiração (TEvap) ou outras”, como fossas sépticas biodigestoras, diz o conselheiro do CBH do Rio Pará e professor da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), Adriano Parreira, serão definidas “após um diagnóstico junto às famílias”.

Em Resende Costa, receberão o benefício o povoado Cajuru e o distrito de Jacarandira. “Toda a área rural de Resende Costa, na bacia do Pará, será saneada”, comemora José Hermano. Técnica é de fácil construção, necessita de baixa manutenção e requer baixo investimento financeiro, além de possuir alta eficiência no tratamento dos efluentes.

As outras são a comunidade de Custódio, em Cláudio; Bom Jesus de Angicos, Jacarandá e Olhos D’água, praticamente ligadas, em Carmo do Cajuru; Branquinhos, em Divinópolis; o Projeto de Assentamento Antônio Veloso, em Pompéu; e a Associação da Comunidade Indígena Kaxixó, em Martinho Campos.

Nos dias 4 e 5 de setembro, todas receberam a visita da Agência Peixe Vivo para levantamento da situação, informa Guilherme Guerra, um dos coordenadores técnicos encarregados. “Todas as prefeituras acompanharam as visitas e se mobilizam para fazer o mesmo na segunda etapa, após a contratação da empresa que cuidará do cadastramento das famílias e da elaboração dos projetos individuais de saneamento”, explica Guerra.

De acordo com o técnico, “os líderes comunitários estão bem ativos e empolgados”. Até final de 2023 “serão contratados os projetos e, até o meio do ano que vem, começam as obras”, completa.

 

CONHECIMENTO, INFORMAÇÃO E PRÁTICA

É sobre esse tripé que o CBH do Rio Pará desenvolve suas ações, como destaca o secretário José Hermano. O último grande momento foi a Expedição que cruzou a bacia de Alto a Baixo sob o lema ‘Esse Rio é Meu’, aprofundando a compreensão dos problemas, expandindo os vínculos com os moradores, despertando pertencimento e concebendo soluções.

José Dirino Arruda, conselheiro do CBH representando o Sindicato dos Produtores Rurais de Martinho Campos, esteve na Expedição: “Participei e detectamos que o rio está muito castigado. Temos grandes cidades na bacia que ainda lançam esgoto in natura direto no rio. O Comitê precisa endurecer para acabar com essa prática. Se os recursos não dão para tudo, tem que priorizar o saneamento, planejar para reduzir gradativamente até zerar a poluição, e chamar as indústrias, a mineração, as comunidades urbanas e rurais. Todos têm que dar sua parcela. Senão, o que vai ser do rio?”, indaga.

Conselheiro representante do Sindicato dos Produtores Rurais de Martinho Campos, José Dirino Arruda vê saneamento como prioridade a ser encampada pelo CBH do Rio Pará.

Sobre o Programa de Saneamento Rural, Arruda vê “uma grande importância”, pois “vem dar vida e melhorar a qualidade da água”. “A gente que está na foz do Pará”, acrescenta, “recebe tudo que vem de cima e assim entregamos para o Velho Chico”. Guilherme Guerra vê, ainda, um “componente educativo na mobilização para explicar as intervenções em cada comunidade” e a construção de um modelo “que as prefeituras podem replicar, com soluções baratas e eficazes”.

José Hermano analisa: “É um programa, não um projeto momentâneo, e não acaba aí. Outras cidades serão beneficiadas mais à frente com os recursos da cobrança”. “Estamos produzindo impacto nas pessoas e na qualidade de vida, promovendo a troca com as comunidades, ouvindo cada uma, levando a educação ambiental, mostrando que é possível”.

 

RIO PARÁ TAMBÉM É SÃO FRANCISCO

A Comunidade Quilombola da Cachoeira dos Forros, na zona rural de Passa Tempo, Alto Rio Pará, foi uma das selecionadas pelo edital do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), que vai destinar R$ 1,667 milhões para o saneamento rural de oito municípios no alto curso do Velho Chico.

“A comunidade possui um poço artesiano que abastece as famílias residentes. No entanto, falta água com frequência, pois a vazão é pouca. Precisa perfurar mais um poço, pelo menos. Não existe nenhum tipo de tratamento da água distribuída. Além disso, a fossa rudimentar é a solução atual de esgotamento sanitário. A maioria das casas tem banheiro dentro de casa e não há separação das águas cinzas e negras”, conta Flávia Mendes, coordenadora Técnica da Agência Peixe Vivo.

Jacqueline Fonseca, também coordenadora técnica da Agência, explica que o “projeto está sendo elaborado com cadastro dos moradores e definição da tecnologia”. Em seguida, virá a “contratação da empresa que irá fazer as obras. A expectativa é que até o fim do ano que vem o sistema já esteja operando”.

Fonseca descreve a “boa receptividade dos moradores”. Foram “cadastradas 95 famílias e a prefeitura recebeu muito bem, está apoiando e esteve presente na reunião prévia com a comunidade, que antecedeu o cadastramento”.

O Secretário de Meio Ambiente e Saneamento Básico de Passa Tempo, Mário Sérgio Andrade, festeja os efeitos do Programa: “Serão mais de 400 pessoas beneficiadas. Além de ajudar com soluções de saneamento, mitiga o impacto ambiental numa comunidade muito próxima ao rio, ajuda na saúde, na qualidade de vida e do solo”. “A prefeitura surgiu como elo entre a Peixe Vivo e a comunidade, dando acesso e apoio. A base de operações é a escola, que também será contemplada pelo Programa”, conclui.

Segundo o edital do CBHSF, assim que houver disponibilidade orçamentária e financeira, ainda serão contemplados, na bacia do Rio Pará, os municípios de Carmópolis de Minas, Cláudio, Itapecerica, Oliveira, Bom Despacho, Divinópolis e Carmo do Cajuru.

Foz do Rio Pará na confluência com o Velho Chico, em Pompéu.

 


Assessoria de Comunicação do CBH do Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Paulo Barcala

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará

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