Revista do CBH do Rio Pará nº3: A era dos extremos

02/01/2025 - 18:31

Eventos extremos exigem medidas extremas – e coletivas

Secas de longa duração seguidas por chuvas intensas e concentradas em poucos dias. Queimadas e inundações. Tufões, ciclones, baixa qualidade do ar. Esta é uma era de extremos climáticos em que estamos enfrentando um momento de mudanças no ambiente da Terra. A Amazônia, bioma onde a chuva costumava ser abundante, sofre com a estiagem, enquanto o Pantanal, ecossistema conhecido pelos charcos e pântanos, seca golpeado pelo fogo. O Cerrado, onde o fogo pode acontecer de maneira natural, arde com incêndios criminosos, e a Mata Atlântica sofre com o desmatamento. Diversas cidades da bacia do Rio Pará sofrem há meses com a seca e a baixa disponibilidade de água.

No Rio Grande do Sul, no final de abril, a precipitação de um dia – que, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), correspondeu ao esperado em dois meses de chuva –, aliada ao desmatamento, urbanização não planejada e inércia do poder público, causou grande estrago, com centenas de mortos e milhares de desabrigados. Entre junho e setembro, muitas cidades do Brasil enfrentaram estiagens rigorosas. O cenário é dramático e exige mudança nos modelos de desenvolvimento que emitem grandes quantidades de carbono e outros gases de efeito estufa na atmosfera do planeta, afetando o clima global.

Embora os alertas emitidos por cientistas e ambientalistas sobre os riscos que teremos de enfrentar cada vez mais, pouco foi feito para prevenir e/ou amenizar os efeitos dos extremos climáticos. A transição energética, que deve, aos poucos, abandonar os combustíveis fósseis, é urgente, e a meta definida no Acordo de Paris em 2015, que consiste em manter “o aumento da temperatura média global em bem menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais e de envidar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais” parece difícil de atingir.

No entanto, eventos extremos exigem medidas extremas. E a Humanidade, que é a principal responsável pela alteração do padrão climático planetário, tem também a missão de reverter a tendência de que os eventos climáticos extremos se tornem cada vez mais frequentes.

No final de abril, capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, viu inundação tomar a cidade e contabilizou mortes, estragos e desabrigados.

A dinâmica dos gases atmosféricos

Emissão de gás carbônico (CO2) é um evento natural e necessário. A presença desse gás na atmosfera garante que a temperatura no planeta se mantenha estável e que não congelemos durante a noite. O excesso de CO2 na atmosfera, no entanto, gera outros impactos. Quem nos elucida essa dinâmica dos gases atmosféricos é a vice-presidente do CBH do Rio Pará, professora da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), Beatriz Ferreira, doutora em Química. “Emissão de gases são eventos naturais. É a ação do homem no meio ambiente que tem acarretado essas mudanças climáticas que transcendem a questão natural, e, com isso, acarretado um excesso de emissão de gases, queimadas, destruição da vegetação, entre outros. Isso tudo causa um desequilíbrio no ecossistema como um todo, e aí a gente começa a observar esses eventos extremos – principalmente chuvas intensas em determinados locais e seca em outros”, explica.

Com o excesso de CO2, o efeito estufa se intensifica e provoca diversas alterações nos ciclos naturais da Terra. “Além disso, nós temos também o problema que já tem sido alertado, há muitos anos, que é o aumento da temperatura não só da Terra como um todo, mas, principalmente, o aumento da temperatura dos oceanos que, por sua vez, está causando o derretimento das geleiras. Com isso, há um aumento na quantidade de água dos oceanos e isso pode trazer impactos muito maiores nas regiões litorâneas de todo o planeta”, alerta Beatriz.

Seca levou o IGAM a declarar situação crítica de escassez hídrica superficial em parte da bacia do Rio Pará.

O aumento da temperatura dos oceanos está, no momento, causando também a suavização da La Niña. Enquanto o El Niño, evento climático que aumenta a temperatura do Oceano Pacífico, causou seca na Amazônia e as chuvas intensas no Rio Grande do Sul, a La Niña seria responsável por resfriar esse mesmo oceano e trazer de volta as chuvas para as localidades que sofreram com a estiagem. O que se vê, porém, é que a La Niña está menos intensa e mais atrasada este ano, e o esperado refresco para a seca que estamos vendo no Brasil acontece timidamente. Esperada para agosto, a La Niña deve se fazer presente apenas em outubro e com intensidade fraca, segundo a MetSul.

Professor da UEMG, Mauro Cruz reforça necessidade de mudança de mentalidade e padrão de consumo da sociedade.

Mas o gás carbônico não é o único gás causador do efeito estufa. “Há uma escala de dano dos gases de efeito estufa para atmosfera. O dióxido de carbono tem um valor de dano igual a um, por isso é chamado de ‘gás carbônico equivalente’. Ele é a base da nossa equivalência”, explica o professor Mauro Cruz, da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais), geógrafo pós-graduado em Engenharia Civil.

Segundo ele, outros gases, como o metano e o óxido nitroso, são mais nocivos. “Por exemplo: nos aterros, nos lixões, toda a matéria orgânica em decomposição aeróbica – ou seja, que se decompõe em ambiente sem o oxigênio – gera, além de gás carbônico, também metano em grande quantidade. E o metano é 21 vezes mais agressivo do que o gás carbônico. Fertilizantes nitrogenados, em uso indiscriminado, também causam um dano tremendo para a atmosfera”, diz. O óxido nitroso, utilizado nesses fertilizantes, é mais de 300 vezes mais potente que o gás carbônico.

 

A situação na Bacia Hidrográfica do Rio Pará

Todas essas mudanças na dinâmica atmosférica global afetam também a bacia do Rio Pará. Sem volume significativo de chuva em quase toda a bacia, o agronegócio, uma das atividades econômicas mais importantes do território, sente um grande impacto.

A prefeitura de Pompéu precisou abastecer pequenos produtores com caminhões-pipa e o IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) declarou “situação crítica de escassez hídrica superficial” no trecho do Rio Pará que fica a montante da Estação Velho do Taipa, em Conceição do Pará, reduzindo 25% do volume diário outorgado para a finalidade de irrigação. “A jusante do ponto de monitoramento que há em Conceição do Pará chegou à situação de criticidade e o IGAM publicou uma portaria para reduzir a captação de água em porcentagem a depender do uso. Os grandes usuários tiveram que diminuir a captação. Ou seja, a gente já está vivenciando isso”, lamenta Beatriz.

Em Divinópolis, a maior cidade da bacia hidrográfica, além da seca, ocorreram também inúmeros focos de queimada. A cidade lidera o ranking de incêndios florestais em Minas Gerais. “Precisamos fazer um trabalho de conscientização das pessoas. A gente vê Unidade de Conservação sendo queimada, mas também muitos pequenos focos de incêndio que são em lotes malcuidados, em que o próprio proprietário não cuida. Nos municípios em que há poucas áreas verdes a gente vê muito incêndio causado por pequenos pontos”, diz Vilma Messias, representante da Prefeitura de Divinópolis e secretária-adjunta do CBH do Rio Pará.

Vilma acredita que a Educação Ambiental na bacia é essencial para uma guinada nas ações que impactam o meio ambiente. “Estamos começando a executar o nosso Plano de Educação Ambiental [PEA]. Ainda em 2024, por exemplo, vamos começar um treinamento para os técnicos de alguns municípios, e o Comitê também já começou a estudar fazer uma campanha através de mídias para poder conscientizar as pessoas em relação às queimadas”, conta.

Secretária-Adjunta do CBH, Vilma Messias acredita na Educação Ambiental para uma guinada na mudança em relação às ações que impactam o meio ambiente. Baixa vazão: estiagem crítica em 2024 levou cursos d’água a minguarem. Em destaque a foz do Rio Pará, no encontro com o Velho Chico.

“Não tá morto quem peleia”

A pergunta, no entanto, que rodeia nossas mentes frequentemente, é: toda essa situação é reversível? São séculos de emissões de gases de efeito estufa e os efeitos que estamos sentindo agora são bastante graves. No entanto, é importante notar que eventos extremos exigem medidas extremas – e coletivas.

Beatriz argumenta que é necessário que todos os países se engajem nas mudanças e procurem mudar uma cultura de exploração. “Enquanto alguns países estão extremamente preocupados com essa questão climática, outros nem tanto – às vezes por questões mais políticas, outros por questões de infraestrutura mesmo, por serem países pouco desenvolvidos ou subdesenvolvidos e que não têm condições de estruturar essas questões, pensando em mudanças climáticas. Mas eu vejo que o grande desafio é realmente romper o padrão cultural”, enfatiza.

Mauro aponta na mesma direção, ressaltando que é necessária uma mudança de mentalidade e de padrão de consumo. “O nosso meio de transporte é ainda baseado na individualidade do carro. Mas, por outro lado, culpabilizar o indivíduo é até covardia. Porque problemas coletivos requerem de fato soluções coletivas. Então, obviamente, nós temos de ter consciência, temos de nos posicionar, de fazer a nossa parte – mas a gente só vai conseguir uma efetividade mudando a base de como a gente produz e consome coletivamente”, alerta.

Vilma reflete que fazer parte de um Comitê de Bacia Hidrográfica requer acreditar na mudança e, como Mauro e Beatriz, aposta na mudança coletiva de consciência ambiental. “Eu acredito que a gente vai conseguir mudar tudo isso. Até mesmo porque, se eu não acreditasse, eu não participaria tão ativamente assim de um Comitê. Acho que tem solução, a gente consegue sim alcança

 


Assessoria de Comunicação do CBH do Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Leonardo Ramos

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará

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