
Alto índice de inadimplência, no entanto, compromete investimentos na bacia do Rio Pará
Para induzir ao reconhecimento da água como bem ecológico, social e econômico, foi instituída a Cobrança pelo Uso dos Recursos Hídricos para usuários que fazem desse insumo essencial um meio de produção. O valor da Cobrança fica na casa das unidades de centavo de real por cada mil litros captados.
A Cobrança não é um imposto, pois o dinheiro arrecadado não vai para o governo, mas para financiar estudos, programas e ações voltados para a melhoria da quantidade e da qualidade da água, conforme previstos no Plano Diretor de Recursos Hídricos aprovado pelo respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH).
Em Minas Gerais, a Cobrança vem sendo adotada gradativamente desde 2010, sendo posta em prática, no caso do CBH do Rio Pará, a partir de janeiro de 2017, após acordo entre o poder público, os setores usuários e as organizações civis representadas no âmbito do Comitê.
Contudo, as altas taxas de inadimplência, na casa dos 95% nas pequenas intervenções de mineração e de 78% nas propriedades rurais, na bacia do Rio Pará, têm comprometido a continuidade e a consolidação dos programas e, em decorrência, a saúde hidroambiental do território. Para esmiuçar o assunto, fomos ouvir o diretor-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), Marcelo da Fonseca, que fala sobre o papel da Cobrança e sobre as estratégias contra a inadimplência.
Por que a Cobrança pelo Uso da Água é um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos?
Esse instrumento tem o objetivo de recuperar e revitalizar nossas bacas hidrográficas e promover o uso racional das águas, mas também vem com um objetivo que é dar sustentabilidade ao sistema. Diferentemente das outras políticas, que tem sustentação basicamente por meio de recursos públicos, no caso da Cobrança, o princípio é que o usuário que está fazendo uso de um bem público possa ressarcir à sociedade por aquela utilização – uma empresa que está auferindo lucro com a utilização daquele insumo que é a água, ela faz uma reversão disso para sua bacia hidrográfica, de forma a melhorar as condições daquele território e minimizar eventuais impactos negativos que sua atividade possa causar.
O que a Cobrança pode viabilizar em termos de proteção e recuperação da qualidade e da quantidade da água numa determinada bacia?
Em primeiro lugar, a Cobrança é um recurso que não é um imposto, não é uma taxa, mas um preço público pela utilização desse bem e tem a finalidade específica de promover a recuperação e a revitalização das bacias. Esse recurso tem uma destinação obrigatória: deverá ser utilizado na bacia em que foi arrecadado para melhorar a situação.
Quais ações precisam ser realizadas ou empreendidas naquele território? Isso vai depender do Plano de Bacia [Plano Diretor de Recursos Hídricos]. O Plano de Bacia é que vai definir quais são as ações prioritárias no território para melhorar a realidade, sendo objetivo e prático. Pode ser desde a elaboração de um Plano Municipal de Saneamento Básico, o cercamento de nascentes, a recuperação hidroambiental, a Educação Ambiental… É um leque muito diverso de soluções, vai depender de qual é a solução para aquele problema enfrentado na bacia hidrográfica.
Cobrança pelo Uso da Água na bacia do Rio Pará tem viabilizado uma série de ações de produção de água no território.
Qual é o nível geral de inadimplência no pagamento da Cobrança pelo Uso da Água em Minas e, especificamente, na bacia do Rio Pará?
Infelizmente, a gente sofre um nível de inadimplência elevado em Minas Gerais. Essa inadimplência tem aumentado em todo o estado. O número de usuários inadimplentes ultrapassa a casa dos 50,6%. Isso não significa 50% do valor cobrado. Em termos de valor, esse percentual desce um pouco, porque os grandes usuários, principalmente as companhias de saneamento e grandes empresas, tendem a ser adimplentes com a Cobrança.
Qual o perfil predominante dos inadimplentes?
Temos observado que são os pequenos usuários prioritariamente inseridos nas zonas rurais. Há pequenos produtores rurais, mas não só. Nós temos, no caso da bacia do Pará, uma inadimplência muito grande do setor da mineração – 78% em termos de valor e 95% do total de intervenções. Mas quando a gente fala em mineração, logo se pensa naquelas grandes mineradoras. Não, nós temos na bacia do Pará, e em outras bacias, pequenos areeiros, dragagens, que também estão sujeitos ao pagamento pelo uso da água. São exatamente esses pequenos. Então, a gente está envolvendo os conselhos de classe, os contadores, que já fazem periodicamente as declarações para a Receita Estadual, para a Receita Federal, para que também tenham conhecimento que existe essa obrigação, que é o pagamento pelo uso de recursos hídricos, para que isso entre na sua rotina.
Esse é um ponto que a gente vem conversando muito, tentando entender. Esse usuário não está inadimplente porque não quer pagar. Na maioria das vezes, é porque nem sabe que precisa pagar, ou seja, essa informação não chegou a ele. Não são valores expressivos, são pequenos valores, mas eles estão na zona rural, onde a comunicação não é tão acessível. Mesmo hoje com as redes sociais, WhatsApp e outros aplicativos de mensagens, isso ainda é um pouco deficiente e é exatamente sobre esse público que nós estamos buscando construir um plano de comunicação, junto com os Comitês de Bacia, com as entidades equiparadas, para poder chegar a esses usuários, procurando parcerias com as federações, sindicatos rurais, entidades representativas do setor, conselhos de profissionais como o CREA [Conselho Regional de Engenharia e Agronomia], para que a nossa comunicação seja assertiva, que ele saiba como buscar o site do IGAM para ter acesso a essa informação. A gente tem tido muito cuidado com a forma como essa informação é transmitida, porque a gente hoje vive o mundo das fake news, dos golpes cibernéticos. A gente tem hoje a prática de levar o usuário a buscar o nosso site, que é o igam.mg.gov.br, ele mesmo gera o DAE [Documento de Arrecadação Estadual] para evitar que atravessadores, pessoas com o objetivo de dar golpe, façam envio de documentos falsos.
Na sua opinião, o que os Comitês de Bacias Hidrográficas devem fazer para remar no mesmo rumo?
A gente está buscando construir essa parceria com os Comitês de Bacia, fundamentalmente porque, por mais que o IGAM seja quem operacionaliza todo o processo, o cálculo, a geração do boleto, a arrecadação, trata-se de um recurso que não é nosso, é um recurso do Comitê de Bacia. Então, os membros dos Comitês, as entidades ali representadas precisam também entender e ter um papel importante nesse processo, que é exercer a sua influência no seu segmento. Se eu sou um representante do setor do agro eu preciso utilizar os canais aos quais tenho acesso para que essa informação seja disseminada no meu meio, como na indústria e assim sucessivamente, porque esse é um recurso que vai para o Comitê e é importante para a reversão do quadro das nossas bacias hidrográficas. Então, o Comitê e seus membros, suas Câmaras, seu Plenário, toda a sua estrutura precisa se empoderar desse papel de um cobrador entre aspas, de ter esse papel institucional de estar sempre lembrando os usuários que a Cobrança é um instrumento da Política [de Recursos Hídricos].
Eu tenho feito essa provocação aos Comitês de Bacia: “vocês, nas suas atividades diárias, colocam que aquela obra que está sendo feita é uma obra paga pelos usuários dos recursos hídricos? Na sua cartilha você fala que aquilo ali é pago pelo recurso da Cobrança? É conscientizar sobre o que é a Cobrança, que vai ser mais natural na medida que a pessoa sabe que ela é revertida para o território.
Sabemos que os valores da Cobrança são limitados frente à dimensão do que precisa ser feito.
Como equacionar a questão da proteção e da recuperação dos recursos hídricos?
O recurso da Cobrança é um indutor, eu consigo começar uma iniciativa com o recurso da Cobrança, mas preciso atrair patrocinadores dos mais diversos setores, desde recursos de editais até de usuários privados, de órgãos públicos… Então a gente está trabalhando para que o recurso da Cobrança seja esse indutor, que dá o exemplo. Ao mesmo tempo, estamos buscando construir aqui em Minas Gerais um Programa Produtor de Águas que vai ter esse olhar muito próximo, muito focado no produtor rural, trazendo diretrizes e incorporando ações como as do PRA Produzir Sustentável, do IEF [programa do Instituto Estadual de Florestas que estimula a regularização ambiental das propriedades rurais], trazendo outras iniciativas como o PSA [Pagamento por Serviços Ambientais], os créditos de carbono, para que a gente tenha um cardápio de ações no nosso território e, a partir disso, instituirmos uma unidade de coordenação que envolva não só o poder público, mas os usuários, os Comitês, as universidades, para atingir a escala necessária ao tamanho do desafio.
Servidor de carreira do Sisema, Marcelo da Fonseca é engenheiro civil de formação, com especializações em engenharia e recursos hídricos. Há quatro ocupa o posto de diretor-geral do IGAM.
Assessoria de Comunicação do CBH do Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Paulo Barcala