Revista do CBH do Rio Pará nº1: Em casa onde falta pão

08/02/2023 - 10:00

Os conflitos pela água escassa encontram na participação democrática o caminho para as soluções

As agruras pela falta d’água em Pará de Minas, região central do estado, a cerca de 80 km da capital, não vêm de hoje. Era ainda fevereiro de 2009 e o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) foi levado a emitir, para a bacia do Ribeirão Paciência, única fonte de abastecimento da cidade até 2015, a Declaração de Área de Conflito (DAC), instrumento legal empregado quando a demanda pelo uso dos recursos hídricos de uma porção hidrográfica é superior à quantidade de água superficial disponível.

Face à inexistência de metodologias e processos legalmente definidos para tais situações, o caso só viria a ter avanços dez longos anos depois, com a edição do Decreto Estadual nº 47.705 de 2019, que enfim estabeleceu procedimentos para a regularização do uso de recursos hídricos em quadros de escassez. Estava criada a figura da outorga coletiva, concedida por meio de portaria que encampa as outorgas individuais vigentes e as que se encontram em processo de análise.

“A região vinha sofrendo com secas e escassez severas, até racionamento houve”, lembra Cynthia Cardoso, advogada de profissão e atual secretária executiva da Comissão Gestora Local (CGL) Ribeirão Paciência, novidade instituída pela Portaria IGAM 26/2020.

 

Áreas de Conflito Declaradas em Minas Gerais e na bacia do Rio Pará

Mapa: Áreas de Conflito Declaradas em Minas Gerais e na bacia do Rio Pará

A Comissão Gestora Local, composta pelos usuários de recursos hídricos superficiais consuntivos, outorgados ou outorgáveis, em territórios com Declaração de Área de Conflito (DAC), tem a missão de representar seus integrantes perante o Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH) e o IGAM, propor Termo de Alocação de Água e gerenciar a alocação dos usos de recursos hídricos em sua esfera.

No caso do Paciência, ribeirão em cujas margens nasceu o povoado de Patafufo, futura Pará de Minas, hoje com 95 mil habitantes, o processo que culminou na CGL teve início em abril de 2020, em reunião convocada pelo CBH do Rio Pará, por intermédio de sua Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC). O CBH responde pela bacia hidrográfica na qual se insere o ribeirão, por sua vez afluente do Rio São João, sub-bacia apontada como a mais crítica pelo Comitê, consideradas todas as atividades presentes na área e os diversos usos da água. Em novembro daquele mesmo ano, a CGL era instalada com 12 usuários.

“Aos poucos, fomos amadurecendo os laços de confiança no processo de gestão da escassez, em que cada um tem que ceder um pouco, construir o entendimento para chegar a uma proposta”, analisa Cynthia. Para ela, a importância da CGL está em “adotar o sistema de diálogo e cooperação e superar a cultura do ‘comando e controle’, com as partes diretamente afetadas fazendo composição e chegando a um acordo. É um passo adiante em gestão participativa”.

A CGL Ribeirão Paciência já deu muitos passos. Após a contratação de consultoria técnica para análise de dados secundários, estudos de vazão e instalação de estação fluviométrica, o Plano de Alocação está sendo finalizado e será apresentado ao IGAM e ao CBH do Rio Pará para aprovação. “Em seguida vamos criar a Associação de Usuários”, diz Cynthia, que acredita que a proposta “será fruto do consenso”.

Na sub-bacia do Ribeirão Paciência, em Pará de Minas,a Comissão Gestora Local (CGL) foi instituída em 2020.

Na sub-bacia do Ribeirão Paciência, em Pará de Minas,a Comissão Gestora Local (CGL) foi instituída em 2020.

 

MAIS ESCASSEZ

No município de Bom Despacho, nas proximidades do povoado do Garça, nasce o Rio Picão, sub-bacia notável pela fertilidade do solo e produção agrícola de alto padrão. O uso intensivo da água sem maiores controles e cuidados, no entanto, deslanchou para a decretação, em 2015, de uma segunda área de conflito na bacia do Rio Pará.

“É uma região de muitas pequenas propriedades e algumas grandes que, na inconstância das chuvas, precisam da irrigação, mas o volume [retirado] começou a ficar maior do que a capacidade. Infelizmente, a água está acabando”, aponta Antônio de Souza, secretário da CGL Rio Picão, produtor de milho, aveia e hortifrútis e criador de gado Girolando.

Instituída pela Portaria IGAM nº 1126, de dezembro de 2021, a CGL Rio Picão teve sua primeira reunião em janeiro deste ano, após convocação pelo CBH do Rio Pará. Segundo Souza, a CGL é “altamente necessária e importante, pois dá benefício e responsabilidade”. E alfineta: “Hoje a água está dando para atender porque, com a criação da CGL, acabaram os privilégios e a concentração de uso. Tudo ficou mais democrático”.

Em Bom Despacho, sub-bacia do Rio Picão foi decretada como área de conflito pelo uso da água em 2015

Em Bom Despacho, sub-bacia do Rio Picão foi decretada como área de conflito pelo uso da água em 2015.

 

UMA TRANSPOSIÇÃO PARA CHAMAR DE MINHA

Uma das medidas pleiteadas pelos produtores da sub-bacia ganhou o nome de “derivação”, captação de água do Rio São Francisco, onde deságua o Pará, e bombeamento para um lago com 2 milhões de m² de área, a 15 km de distância, a ser construído na cabeceira do Rio Picão. A intervenção controversa, com custo estimado em R$ 100 milhões, permitiria a irrigação de 10 a 15 mil hectares para a produção de grãos e hortifrútis.

O chefe de gabinete da prefeitura de Bom Despacho, Francisco Amaral Cardoso, informa que “parte dessa água irá direto para abastecimento humano, pois o Ribeirão Capivari não está dando conta do abastecimento. Quase toda seca tem faltado água”. Cardoso garante que “em torno de 90% da água [da derivação] voltará para o leito (do rio)” e que “a prefeitura já identificou mais de 200 nascentes que serão revitalizadas no projeto”.

 

MOBILIZAÇÃO E SUPORTE

Secretário do CBH do Rio Pará, Túlio de Sá crê que a Expedição ‘Esse Rio é Meu’ em 2023, irá mobilizar a população da bacia para a necessidade do cuidado e da preservação

Secretário do CBH do Rio Pará, Túlio de Sá crê que a Expedição ‘Esse Rio é Meu’ em 2023, irá mobilizar a população da bacia para a necessidade do cuidado e da preservação.

“Quando temos uma Declaração de Área de Conflito, o papel do CBH é mobilizar os envolvidos para a discussão da outorga coletiva. O Comitê acompanha todo o processo e dá suporte, mas, com a criação da CGL, são os próprios usuários que ficam à frente”, explica Túlio de Sá, secretário do CBH do Rio Pará e representante da Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais).

Segundo ele, a Expedição ‘Esse Rio é Meu’ que o Comitê promoverá pelas águas do Rio Pará em meados de 2023 pretende “mobilizar a população da bacia para a necessidade do cuidado e da preservação”. Túlio acredita ainda que o CBH tem dado o exemplo, como com o Programa de Conservação e Produção de Água que é bancado com recursos próprios e objetiva maximizar o potencial de produção de água em sub-bacias de cada região fisiográfica da bacia: Ribeirão dos Custódios, município de Cláudio, no Alto curso do rio; Ribeirão do Sapé, em Carmo do Cajuru, no Médio curso; e Ribeirão Pari, município de Pompéu, no Baixo Pará.

Túlio ressalta ainda o trabalho, desenvolvido pela Fiemg, de orientar seus associados a identificarem “a real necessidade de água em cada empresa, opções de reuso, melhoria de processos”, deixando “maior disponibilidade e evitando a declaração de áreas de conflito”.

 

PANORAMA ESTADUAL

Segundo a revista oficial do Centro Universitário Augusto Motta, do Rio de Janeiro, Minas tem o privilégio de possuir “3,5% da disponibilidade hídrica brasileira, com 17 bacias hidrográficas federais, que banham quase 67% do território, e mais de 10 mil cursos de água”. No entanto, “o cenário hídrico também é preocupante, frente à intensificação da demanda hídrica e alterações no ciclo hidrológico”.

De acordo com o IGAM, o estado tem 111 outorgas coletivas em 64 DACs, 25 delas com portarias de constituição da CGL publicadas e 21 instaladas. A maior concentração de DACs está no Triângulo Mineiro, na bacia do Rio Paranaíba, e no Noroeste de Minas, na bacia do Rio São Francisco – sub-bacias dos Rios Paracatu e Urucuia.


Assessoria de Comunicação CBH Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Paulo Barcala
Fotos: Léo Boi

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará

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