Informativo Rio Pará nº6: Entrevista – Minas em chamas

08/10/2024 - 10:00

Número de incêndios florestais bate recorde no estado e ações integradas tentam contornar a situação

 

De janeiro a agosto de 2024, Minas Gerais registrou mais de 14 mil queimadas, um crescimento de 50% na comparação com o mesmo período de 2023. Número recorde, que cresce dia após dia, e é o maior dos últimos cinco anos. Na avaliação de especialistas, a situação se deve principalmente à ação humana, agravada pela estiagem prolongada e tempo seco, que criaram uma combinação propícia ao surgimento de focos de incêndio. O fogo tem causado bastante estrago na vegetação por todo o estado. Um levantamento feito pelo Corpo de Bombeiros aponta que 4 mil hectares de unidades de conservação foram devastados pelas chamas este ano. Para tentar combater esse grave problema, uma força tarefa integrada, reunindo diversos órgãos, realiza um grande trabalho em todas as regiões do estado.

Para entender melhor esse cenário, bem como as ações que vêm sendo adotadas, conversamos com Rodrigo Belo, Gerente de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais, o Previncêndio, do Instituto Estadual de Florestas (IEF).

 

Qual a avaliação do IEF sobre a atual situação das queimadas em Minas Gerais?

É importante a gente avaliar qual cenário nós temos. Estamos no momento mais grave, porém, isso já era esperado. Historicamente, estes meses de estiagem apresentam condições bastante favoráveis ao surgimento de focos de incêndio. E, na maioria dos casos, observamos que são incêndios provocados pela ação do homem. É uma situação bastante delicada, grave, e que está ligada a vários fatores, como o clima e a falta de conscientização do ser humano.

Recentemente, estatísticas divulgadas pelo Corpo de Bombeiros apontaram números recordes de queimadas em Minas em 2024, mesmo antes da chegada do mês mais crítico, que é agosto. Qual seria a razão do aumento significativo este ano?

A época de seca já representa naturalmente um período propício ao início dos focos de incêndio. Com a vegetação mais ressecada, as chamas surgem e se propagam com mais facilidade. E nesses meses com mais vento, como é agosto, a situação tende a se complicar bastante. Porém, a ação humana tem agravado muito esse cenário. Ou seja, com as mesmas condições climáticas, mas sem a ação do homem, certamente teríamos o registro de incêndios, mas não seriam tantos casos. O que temos visto é uma combinação de fatores, causada por mudanças climáticas que têm agravado as condições ambientais propícias ao surgimento dos focos e ainda, a ação do homem, que hoje é o principal causador da maioria dos registros.

Atualmente, qual a principal estratégia do IEF para a prevenção às queimadas em Minas?

O IEF lança mão de diversos recursos para fazer frente a essa situação. Temos uma importante atividade de vigilância ambiental, monitorando as condições climáticas e os locais com maior risco à ocorrência de incêndios, para saber como e quando agir. Também estamos avançando no campo das tecnologias, pesquisas de aplicabilidade de técnicas, além das diretrizes da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, que prevê a participação de diversos atores no combate aos incêndios. Não são apenas ações governamentais, mas também envolvem empresas, entidades do terceiro setor, voluntários etc. Eu sempre costumo dizer que é preciso apenas uma única pessoa para dar início ao fogo, mas, por outro lado, são necessárias 50 pessoas para apagar o incêndio. Acabar completamente com esse cenário é impossível, mas estamos prontos para enfrentá-lo da melhor maneira possível.

Este ano, o IEF apontou que o combate às queimadas em Minas Gerais seria uma prioridade no estado. Quais ações estão sendo realizadas no momento, durante o atual período de seca?

É importante destacar que o combate aos incêndios sempre foi uma prioridade para o IEF, há mais de 20 anos. Especialmente este ano, em razão do aumento significativo do número de casos, estamos fazendo a contratação de mais mão de obra para ajudar nos trabalhos. Além disso, a partir de convênios com outras entidades, incluindo Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, estamos aumentando nossa disponibilidade de recursos, como com a utilização de várias aeronaves para o combate aos focos de incêndio. Paralelamente, a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade], além de outros órgãos, nos auxiliam nas atividades preventivas para evitar o surgimento de mais casos. Trabalhamos de maneira integrada a nível municipal, estadual e também com a União.

Rodrigo Belo é Gerente de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais pelo IEF.

No ano passado, Minas Gerais registrou mais de 17 mil casos de queimadas. Em 2021, foram mais de 24 mil casos. Por que ainda ocorrem tantos incêndios em vegetação no estado?

Acredito que a falta de consciência das pessoas seja a principal causa. A maioria dos incêndios em vegetação é provocada pela ação humana. Temos também alguns casos de produtores rurais que fazem queimadas, sem a prevenção necessária, aí o fogo escapa do controle. Apesar de não ser intencional, isso acontece de forma significativa. As pessoas precisam entender o papel da sociedade para resolver esse problema.

Especialmente nos municípios da região Centro-Oeste do estado, como o IEF trabalha junto às prefeituras e bombeiros para tentar articular as ações de prevenção e combate às queimadas nas unidades de conservação ambiental?

O IEF não tem a capacidade para, de forma isolada, resolver o problema dos incêndios em Minas Gerais. Por isso mesmo, buscamos um fortalecimento do nosso efetivo através do combate integrado. Estamos contando com apoio dos bombeiros, polícias, prefeituras e outros órgãos, para enfrentar essa situação. Nunca é fácil, mas unindo esforços fica mais fácil. Por isso o IEF investe nesse conjunto de ações, trabalhando de forma consciente na prevenção e também no combate cada dia melhor e mais bem estruturado. Não existe uma única ferramenta, uma ferramenta mágica. É um conjunto de iniciativas aplicadas de forma coordenada.

Na bacia do Rio Pará, onde há uma presença significativa da agricultura, o manejo controlado do fogo é bastante utilizado por alguns produtores rurais para preparo do solo. Esse é um tipo de prática recomendado, ou pode ser uma das causas dos incêndios em vegetação?

O uso consciente do fogo é uma prática legalizada. Não somos contra isso, desde que seja feito da forma correta, com autorização e seguindo todas as normas necessárias. Caso contrário, pode sim sair do controle e se tornar uma das causas dos incêndios que temos visto por aí. Precisamos entender que o fogo é uma ferramenta barata e por isso é bastante utilizada por agricultores, porém, é também uma ferramenta extremamente perigosa. Assim com um carro em alta velocidade pode se tornar uma arma, o fogo usado sem prudência tem potencial para se tornar destruidor. É necessário observar o manejo adequado, respeitando os intervalos e as demais recomendações – como, por exemplo, não realizar em épocas como a que estamos, com estiagem superior a 60, 70 dias. Porque isso cria um cenário ideal para a propagação descontrolada do fogo.

O CBH do Rio Pará elaborou recentemente o seu Plano de Educação Ambiental, com uma série de ações voltadas à conscientização e ao envolvimento da população. Para o IEF, qual a importância de ações desse tipo em relação à prevenção e combate às queimadas?

A população é quem tem o poder da mudança. Por mais que as pessoas às vezes reclamem da falta de investimentos, o que a gente vê é um cenário que se repete, com a falta de conscientização. As pessoas preferem pagar pela limpeza a evitar a sujeira, ou seja, ao invés de evitar a ocorrência dos incêndios, acham melhor reclamar da atuação dos órgãos que atuam no combate ao fogo. E iniciativas para promover a conscientização são fundamentais. Se a gente consegue promover a educação ambiental atingindo o máximo de pessoas, provocando envolvimento, conseguimos mudança de posturas, mesmo que nem todas as pessoas estejam dispostas a serem educadas. Com o aparato forte que temos para combater esse problema, junto com a educação ambiental, conseguimos superar os obstáculos e diminuir os impactos que eles provocam.

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará

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