Informativo Rio Pará nº 07: Natureza em alerta. Entrevista com Mauro Cruz

11/06/2025 - 12:34

Emergências climáticas mudam regime de chuvas e já causam impactos no volume dos rios

Até alguns anos atrás, cientistas divulgavam previsões preocupantes sobre mudanças climáticas ao redor do mundo. O que parecia ser transformação futura já faz parte da realidade atual. As mudanças envolvem alterações no regime de chuvas e intensificação dos períodos de estiagem. Como consequência, já é possível perceber impactos nos rios ao redor do mundo e no Brasil, incluindo os da bacia do Rio Pará.

Para entender melhor este cenário, o CBH do Rio Pará conversou com Mauro Cruz, geógrafo e professor da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais), onde leciona disciplinas nas áreas de Sensoriamento Remoto, Geoprocessamento e Solos. Mauro se define como um entusiasta das inovações tecnológicas e do empreendedorismo, buscando conectar conhecimento científico à aplicação prática para desafios globais e locais.

 

O regime de chuvas no Brasil mudou significativamente nos últimos anos?

Sim, o regime de chuvas no Brasil sofreu alterações significativas nos últimos anos, assim como em várias partes do mundo, em razão do aquecimento global e das emergências climáticas. Essas mudanças não se limitam apenas ao aumento das chuvas em algumas regiões e à diminuição acentuada em outras, mas também incluem a intensificação de eventos climáticos extremos associados ao regime hídrico.

Tem sido cada vez mais comum a ocorrência de chuvas de alta intensidade, com grande potencial destrutivo e riscos à vida, assim como períodos prolongados de estiagem. Essas variações impactam diretamente a disponibilidade de recursos hídricos, a produção agrícola e a vida nas cidades. Diante desse cenário, é fundamental que medidas urgentes sejam tomadas para conter as mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que se desenvolvem estratégias de adaptação e ações de mitigação para reduzir seus impactos.

Quais são os principais causadores das mudanças no regime de chuvas?

Certamente as mudanças nas características no regime das chuvas são intimamente ligadas ao aquecimento global. A principal causa é a intensificação do efeito estufa devido à emissão excessiva de gases como dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), dentre outros. A emissão desses gases é resultante da queima de combustíveis fósseis, desmatamento e processos industriais, entre outros. Esse aquecimento altera os padrões atmosféricos e oceânicos, afetando a circulação global de umidade e provocando desequilíbrios nos ciclos hidrológicos, alterando assim o regime das chuvas. Além disso, fatores regionais, como desmatamento, urbanização desordenada e mudanças no uso do solo, também exercem grande influência.

Minas Gerais enfrentou um período extenso de estiagem em 2024 – na bacia do Rio Pará chegou a ser decretada escassez hídrica, com restrições nas captações. Na sua visão, essa estiagem é uma característica do clima da nossa região ou uma mudança climática?

A estiagem prolongada que afetou a bacia do Rio Pará e parte do Brasil no último ano pode ser atribuída a uma combinação de características climáticas regionais e mudanças climáticas globais. Períodos prolongados de estiagem são historicamente comuns na estação seca na nossa região. Porém, estudos recentes demonstram que essas secas têm se tornado mais intensas e frequentes, sugerindo uma influência significativa das mudanças climáticas. Pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA) demonstram que, especialmente na última década, alterações climáticas têm impactado fortemente os recursos hídricos de Minas Gerais.

Embora seja verdade que Minas Gerais possui um período seco característico, a severidade e a duração das estiagens recentes não podem ser explicadas apenas por padrões climáticos naturais. A combinação de menor recarga hídrica, aumento da demanda por água e mudanças no uso do solo tem potencializado os impactos das secas, tornando cada vez mais evidente a influência das mudanças climáticas na hidrologia da região.

Rio São João comprimido pelas vias públicas em Itaúna (esq.). Durante a estiagem de 2024, Rio Itapecerica (dir.) mingou em Divinópolis, maior cidade da bacia.

As mudanças no regime de chuvas têm potencial para impactar a disponibilidade hídrica necessária para os usos múltiplos de água?

Sim, as mudanças no regime de chuvas têm um impacto direto sobre a disponibilidade hídrica da bacia do Rio Pará, afetando os diversos usos da água, como abastecimento urbano, irrigação, pecuária e geração de energia. A redução da regularidade e do volume das precipitações interfere na recarga dos cursos d’água superficiais e dos aquíferos subterrâneos, que desempenham um papel essencial na manutenção do equilíbrio hídrico da região.

A precipitação desempenha um papel essencial para a recarga dos mananciais, pois a água das chuvas infiltra-se no solo e alimenta os lençóis freáticos e aquíferos, que por sua vez liberam água lentamente para os rios ao longo do ano, garantindo a perenidade dos cursos d’água. No entanto, as alterações no regime pluviométrico, como a redução das chuvas na estação chuvosa e o prolongamento das estiagens, prejudicam essa recarga natural, reduzindo a vazão dos rios e comprometendo o abastecimento hídrico da região.

Considerando a situação atual, o que você apontaria como sendo os principais desafios para a manutenção da disponibilidade dos recursos hídricos no Brasil, em Minas e na bacia do Rio Pará?

A manutenção da disponibilidade dos recursos hídricos exige um olhar equilibrado entre proteção ambiental e desenvolvimento econômico sustentável. Os desafios são muitos, e não há uma solução única, mas sim um conjunto de estratégias que precisam ser fortalecidas e aplicadas de forma coordenada.

Em Minas Gerais, diversas iniciativas reforçam esse compromisso com o uso sustentável dos recursos hídricos. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará tem se empenhado na gestão participativa da água, promovendo ações voltadas à recuperação de nascentes e proteção dos mananciais, garantindo que a água seja utilizada de forma racional por todos os setores. Além disso, programas de regularização ambiental vêm incentivando produtores rurais a restaurar Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais, fortalecendo a resiliência das bacias hidrográficas frente às mudanças climáticas.

 


Assessoria de Comunicação do CBH do Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social

 

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará

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