Revista CBH do Rio Pará nº 3: Beleza do cotidiano

13/02/2025 - 12:25

Adélia Prado, a filha mais ilustre da bacia do Rio Pará, e as poesias que nasceram em Divinópolis para conquistar o mundo


Detalhes simples do dia a dia, que para muitas pessoas passam despercebidos, são ressignificados e eternizados nos versos de Adélia Prado. A poeta mineira, escritora de incontáveis poemas marcados por um estilo romancista crítico, conquistou o mundo com versos cheios de simbolismo, além de palavras que recontam o cotidiano, a religiosidade e a vida de uma mulher do interior.

Adélia Prado, ou melhor, Adélia Luzia Prado de Freitas, nasceu em dezembro de 1935 em Divinópolis, na região Centro-Oeste de Minas Gerais, no Médio Rio Pará. Considerada a maior poeta brasileira da atualidade, Adélia é a filha mais ilustre da bacia do Rio Pará. Em suas obras, sempre fez questão de destacar as belezas do cotidiano, incluindo a dos rios que cortam a cidade, como o Itapecerica e o Pará. “Minhas lembranças com esses rios são muito felizes. Quando criança, costumávamos fazer piqueniques na beira dos rios e isso era motivo de imensa felicidade. Meu pai costumava pescar nesses rios. Mas hoje, o que estamos vendo é um descaso e uma falta de vontade política quando se trata desse assunto. Basta andar pelas margens dos nossos rios para vermos a catástrofe”, disse Adélia em entrevista exclusiva à equipe de Comunicação do CBH do Rio Pará.

Formada em magistério e em filosofia, Adélia Prado trabalhou por mais de 20 anos como professora. Já casada e mãe de cinco filhos, passou a se dedicar à paixão pela literatura. Na década de 1970, a poeta enviou alguns textos escritos para Carlos Drummond de Andrade, que se impressionou com o talento da escritora. Em 1976, com o apoio e conselhos de Drummond, Adélia Prado estreou oficialmente na literatura, com o lançamento do livro ‘Bagagem’. Desde então foram mais de 20 obras como ‘O Coração Disparado’, ‘Solte os Cachorros’, ‘Cacos para um Vitral’, ‘Terra de Santa Cruz’, ‘A Faca no Peito’ e ‘Dona Doida’.


O amor no éter

 

Há dentro de mim uma paisagem
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água,
entram e não neste lugar de memória,
uma lagoa rasa com caniços na margem.

Habito nele, quando os desejos do corpo,
a metafísica, exclamam:
como és bonito!
Quero escavar-te até encontrar
onde segregas tanto sentimento.

Pensas em mim, teu meio-riso secreto
atravessa mar e montanha,
me sobressalta em arrepios,
o amor sobre o natural.
O corpo é leve como a alma,
os minerais voam como borboletas.
Tudo deste lugar
entre meio-dia e duas horas da tarde.


Em 2013, Adélia lançou o livro ‘Miserere’. Desde então, a poetisa não voltou a publicar, mas anunciou que se prepara para encerrar o hiato literário e deve lançar em breve uma obra que recebeu o título provisório de ‘O Jardim das Oliveiras’ – uma menção ao local onde Jesus Cristo orou antes de ser crucificado.

Romancista, contista, professora e filósofa, Adélia Prado retrata a natureza de forma lúdica, mas com a capacidade de conduzir o leitor a reflexões profundas. “A natureza é parte da experiência poética. Falar sobre ela não é algo que eu escolho. Sou escolhida por ela. É um dado intrínseco ao próprio ato de ser”, afirma Adélia.

Sua terra natal, Divinópolis, hoje com mais de 230 mil habitantes, está presente em várias de suas obras. Adélia testemunhou o crescimento da cidade e, em versos, apresentou as mudanças. Não à toa, é reconhecida por recontar o cotidiano, transformar em texto e poesia situações que tocam as memórias afetivas do leitor. Como em “O amor no éter”, presente no livro “Terra de Santa Cruz”, publicado pela primeira vez em 1981.

Em vários poemas, Adélia destaca a admiração pela natureza. Nos versos, as paisagens são frequentemente retratadas de forma simbólica. “A literatura, como qualquer outra arte, precisa fazer parte da formação básica das pessoas. A arte é uma via de sentido e simbolização. Não é possível viver com ausência de sentido. Uma vez inseridos no universo simbólico da arte estamos prontos para entender a natureza como parte inseparável de nós mesmos. O ser humano que está alimentado pela arte é fatalmente um ser humano mais cuidadoso com seu entorno”, conta.


“Se falo de mim, ou do outro, ou sobre qualquer assunto, estarei falando da natureza”


A beleza no cotidiano traduzido por Adélia Prado saiu de Divinópolis e de Minas Gerais para ganhar o Brasil e o mundo. A poetisa é uma das escritoras mais premiadas do país. Em 2024, foi consagrada pelo Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras. Semanas depois, recebeu o Prêmio Camões, o maior reconhecimento literário do mundo lusófono, vinculado ao Ministério da Cultura do Brasil e governo de Portugal. O júri do Prêmio Camões descreveu Adélia como poeta autora “de uma obra muito original, que se estende ao longo de décadas, com destaque para a produção poética. Herdeira de Carlos Drummond de Andrade, o autor que a deu a conhecer e que sobre ela escreveu as conhecidas palavras ‘Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo’.

Aos 88 anos de idade, e prestes a lançar mais um livro, Adélia ainda vai encantar muitos leitores com seus poemas. Na conversa com a equipe de Comunicação, ela disse ter ficado “comovida” com o trabalho desenvolvido pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará na proteção dos recursos naturais. Ao falar sobre isso, como de costume, respondeu de forma poética. “Eu acredito que a poesia está presente em tudo. Sinto que a produção de natureza artística escapa de qualquer intenção de natureza racional, didática, lógica etc. Quando você se depara com uma pintura de um rio ou uma música sobre um rio, ou um poema sobre um rio, você é tomado de amor por aquele fenômeno da natureza de um modo que você vai defender e tentar proteger esse rio com todas as suas forças. A contribuição do artista está em revelar para as pessoas a maravilha do rio ou de qualquer que seja o objeto poético”, finaliza.


“A natureza é parte da experiência poética. Falar sobre ela não é algo que escolho. Sou escolhida por ela. É um ato intrínseco ao próprio ato de ser.”



Assessoria de Comunicação do CBH do Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Ricardo Miranda

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará

Compartilhe