Revista do CBH do Rio Pará nº3: Com a alma repleta de chão

18/12/2024 - 10:00

CBH do Rio Pará busca o caminho que vai dar no Sol indo aonde o povo está

“Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão / Todo artista tem de ir aonde o povo está”. Esses dois versos dos compositores Milton Nascimento e Fernando Brant estão na música “Nos bailes da vida” – canção que todo mineiro conhece. Ela exalta, de maneira tocante, a vida de um artista cantor que, para encontrar seu público, enfrenta todo tipo de obstáculo. O trabalho de um Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH) não é muito diferente. Para atuar em defesa de água em quantidade e qualidade para múltiplos usos, os integrantes de um Comitê precisam ir aonde o povo está – conversar com as pessoas, levar informação, implementar projetos e programas que irão “buscar o caminho que vai dar no Sol”.

Completando seu 26o ano, o CBH do Rio Pará já está com a alma repleta de chão. Com 35 municípios e um território de cerca de 12.300 km2, a bacia do Rio Pará viu o Comitê percorrer esse chão diversas vezes, com ou sem os recursos da Cobrança pelo Uso da Água. Instituída em 2017, o CBH do Rio Pará só viu os recursos da Cobrança a partir de 2020, após o término do contingenciamento imposto pelo governo do estado de Minas Gerais. Desde então, o Comitê tem colocado em prática diversas ações que incrementaram a integração da população da bacia, atuando em prol da disponibilidade hídrica para a sociedade.

Tenho comigo as lembranças do que eu era

Antes, porém, que os recursos da Cobrança pelo Uso da Água – importante instrumento de gestão – pudesse ser utilizado, os anos foram de dificuldades, mas não de paralisia. Tempo de “estrada de terra na boleia de caminhão”, os membros do Comitê, enquanto lutavam para que o governo do estado liberasse os recursos da Cobrança, já planejavam também as ações que seriam implementadas assim que tivessem acesso ao que havia sido arrecadado. Presidente do CBH do Rio Pará em 2018, José Hermano Franco conta como foi esse tempo. “Desde a criação, o Comitê veio sendo construído, evoluiu bastante. Em 2008 instituiu seu Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH), mas ainda não havia Cobrança. Aí ele ficou ali naquele limbo de ‘funciona, não funciona’ até que se estabelecesse a Cobrança de fato. Porém, o governo contingenciou os recursos e não repassava o dinheiro”, lembra.

Com a chegada dos recursos, prossegue Hermano, o Comitê iniciou suas ações. “Quando a gente começou a receber, foi hora de colocar a casa em ordem, estabelecer os instrumentos de gestão. Ele tinha um PDRH já profundamente defasado, nós tivemos de fazer todo o alicerce desse Comitê. E eu entendo que como ele é um órgão de mobilização, uma coisa que ele tem de ter muito forte é a capacidade de comunicação, então a primeira coisa que foi contratada foi um Programa de Comunicação”, explica.

No entanto, em 2020, com os recursos, chegou também a pandemia da Covid-19 e, com ela, o isolamento social. Túlio de Sá, hoje presidente do CBH do Rio Pará e secretário à época, traz à memória as dificuldades do período. “Vivemos a pandemia no meio do caminho… porém, assim mesmo, a gente estava estudando e começando a avaliar os projetos a serem implantados no Comitê, e, depois, já começamos os programas”, conta.

Presidente do CBH do Rio Pará entre 2018 e 2023, José Hermano Franco ajudou a solidificar as bases de Comunicação e Mobilização Social do colegiado. Ana Carolina Mello foi peça importante para o sucesso da passagem da Semana Rio Pará por Nova Serrana.

 

Buscar o caminho que vai dar no Sol

Com o objetivo de mobilizar os atores da bacia, o Comitê promoveu os “Encontros do CBH do Rio Pará”, que começaram em 2020 e prosseguiram no formato online durante as restrições da Covid-19. Os “Encontros” colocaram em pauta assuntos como uso racional dos recursos hídricos, questões energéticas, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e Educação Ambiental. Essa é apenas uma ponta de um amplo programa de mobilização e Educação Ambiental que o CBH do Rio Pará conduz.

“O Plano de Educação Ambiental (PEA) foi aprovado no ano passado, e o CBH do Rio Pará foi o primeiro, entre os Comitês de Bacia de Minas Gerais, a ter um Plano assim. Este ano alguns trabalhos já estão sendo feitos em relação à capacitação de técnicos municipais. Há um Grupo de Trabalho que está trabalhando especificamente para envolver o Plano de Educação Ambiental dentro dos programas e projetos que o CBH do Rio Pará já desenvolve”, celebra Túlio.

Também em 2023, o Comitê promoveu a primeira Expedição pelo território, que passou por 12 municípios da bacia do Rio Pará, percorrendo o rio da nascente em Resende Costa até a foz em Pompéu, apresentando o CBH do Rio Pará para a população, divulgando suas ações e ouvindo a sociedade. “A gente precisava fazer uma expedição do Rio Pará”, lembra Hermano, então presidente do Comitê. “Vamos mostrar que o Comitê existe, para que ele serve, o que ele tem de fazer… Então fizemos essa primeira expedição do Rio Pará, da nascente à foz de fato, foram 10 dias sensacionais”, narra.

Expedição pelo Rio Pará em 2023 estabeleceu um marco na história do CBH. Em destaque a passagem da comitiva por Conceição do Pará.

Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão

O atual presidente do CBH do Rio Pará, Túlio de Sá, avalia que a Expedição cumpriu seu papel e deve acontecer a cada dois anos. “A gente definiu fazer a Expedição a cada dois anos, porque é um programa maior de mobilização. A ideia é que a próxima expedição seja mais científica, com monitoramento da qualidade do rio”, conta.

Para Hermano, a Expedição rendeu fruto: ela se desdobrou na Semana Rio Pará, realizada em maio de 2024. “A Semana foi um derivado da Expedição. A gente esteve em algumas cidades na primeira edição e no outro ano a gente foi em outras cidades e levamos mais sobre o Rio Pará para todo mundo. O legal dessa segunda etapa foi que a gente já chegou com vários programas rodando. Então as pessoas enxergaram a gente de uma forma diferente, já que a gente estava falando de coisas que o Comitê já fazia. Isso gera um impacto positivo e diferenciado”, reflete Hermano. Segundo Túlio, unindo as cidades percorridas na Expedição e na Semana, mais da metade dos municípios da bacia foram contemplados.

Passando por Desterro de Entre Rios, Carmópolis de Minas, Itapecerica, Nova Serrana, Leandro Ferreira e Araújos, a Semana Rio Pará teve ampla participação dos atores da bacia e grande receptividade. “Nesse período passamos por seis municípios. Fomos muito bem recebidos por todos esses atores, desde o poder público até as escolas, passando por alunos, professores e diretores, e ficamos muito felizes com esse entendimento do nosso projeto, esse ano muito focado no PEA, pelos municípios que foram visitados. Parabenizo todos os envolvidos nessa semana, que possamos dar continuidade a esse programa que é defender o Rio Pará”, comemorou Túlio ao final do evento.

Secretário de Desenvolvimento, Agricultura e Meio Ambiente de Carmópolis de Minas e conselheiro do CBH do Rio Pará, Flávio Ceccotti foi um dos mobilizadores da Semana Rio Pará 2024 no município.

Responsável pela mobilização em Carmópolis de Minas, Flávio Ceccotti, representante da prefeitura daquela cidade no CBH do Rio Pará, teve seu primeiro contato com o Comitê em 2007. Ele considera que a Semana Rio Pará foi um sucesso e projeta um futuro de recuperação de áreas degradadas na bacia. “Conheci o Comitê no ano de 2007, quando trabalhei como mobilizador regional. Desde então, sou membro titular e represento a Prefeitura Municipal de Carmópolis de Minas. A Semana Rio Pará foi muito boa. Conseguimos mostrar para as crianças a importância do Rio Pará em nossas vidas com muita interação e Educação Ambiental. Vejo pessoas engajadas e comprometidas nessa causa. Espero que o CBH do Rio Pará realize mais projetos hidroambientais, como cercamento de nascentes, revitalização de áreas degradadas, entre outros”.

“Na época da minha faculdade, em 2004, o CBH do Rio Pará já existia, e eu fui bem atuante no Comitê, na época em que a Regina Greco era presidente”, recorda Ana Carolina Mello, representante da Prefeitura de Nova Serrana e mobilizadora da Semana Rio Pará na cidade. Ela, que tem pós-graduação em Educação Ambiental, pensa que a área é essencial para a eficácia do Comitê. “Em 2017 eu voltei a participar do Comitê e comecei a atuar em projetos, e, em 2022, me tornei Conselheira. Acompanhei as Semanas de 2022, 2023 e 2024, e, este ano, fui a responsável pelo evento em Nova Serrana. Vejo a necessidade de levar mais programas de Educação Ambiental como a Semana Rio Pará para todos os municípios da bacia”, conclui.

Em 2023, Expedição de reconhecimento da bacia hidrográfica foi finalizada no encontro das águas dos Rios Pará e São Francisco.

Se foi assim, assim será

Para coroar um ano – que ainda não acabou – de atividades em todo território da bacia, Túlio e Hermano representaram o CBH do Rio Pará no Fórum Mundial da Água, evento internacional que acontece a cada três anos. Mirando o futuro do Comitê, eles tiveram contato com projetos e programas implementados no mundo todo e pretendem trazer essas experiências para a realidade da bacia. “É uma oportunidade sensacional porque você vai ver e conversar com pessoas do mundo inteiro que lidam com o mesmo tema. Então, são formas diferentes, de culturas diferentes, mas é um aprendizado. Você volta de lá com um monte de experiências novas, de ideias novas e a gente vai vendo o que é aplicável, o que não é…”, diz Hermano.

Para Túlio, os destaques foram os projetos de Soluções Baseadas na Natureza (SbN), além da possibilidade de financiamentos e investimentos para além da Cobrança pelo uso da água. “A gente conseguiu avaliar o que os Comitês desenvolvem no mundo, metodologias de soluções ambientais. Uma delas são as SBN. Não precisamos inventar roda. Vamos pegar o que já funciona, vamos adaptar, investir em tecnologia e fazer com que isso funcione na nossa realidade. Outro ponto importante foi conhecer muitas linhas de investimentos para essas questões de contexto de bacias. A gente tem que saber como buscar isso”.

Observando as histórias dos demais Comitês, o presidente entende que o CBH do Rio Pará está no caminho certo. “Nas conversas, nos contatos que a gente teve, a gente vê que algumas questões que o pessoal de outros Comitês ainda enfrenta, já estamos à frente. Essa troca de experiência foi importante para termos consciência de que há lugares que estão engatinhando ainda e a gente já está dando alguns passos”, celebra Túlio

 

 


Assessoria de Comunicação do CBH do Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Leonardo Ramos

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará

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