
Primeiro médico da etnia Kaxixó e a luta pela preservação do Rio Pará
“É nosso!”, gritou Otávio Kaxixó ao receber o diploma da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Um momento inesquecível para o primeiro médico da etnia Kaxixó, que descreve a conquista como um dos capítulos mais importantes da luta dele por direitos e reconhecimento para o povo indígena.
Otávio Kaxixó tem 30 anos de idade e uma longa história na defesa do povo dele, os indígenas da etnia Kaxixó. É o filho ilustre da Reserva Capão do Zezinho, a cerca de 30 km de Martinho Campos, na região do Baixo Pará, onde morou até a adolescência. É filho de uma merendeira e de um trabalhador rural – lembrados por ele com orgulho no discurso durante a cerimônia para receber o diploma da UFMG.
A infância de Otávio foi em meio ao povo dele. “Temos três aldeias às margens do Rio Pará, bem na divisa entre Martinho Campos e Pompéu. Nasci na Criciúma, que hoje não existe mais, porque foi engolida pelos fazendeiros. Mas carrego com orgulho as raízes de onde vim e onde cresci, junto ao meu povo Kaxixó”, comenta Otávio.
É com orgulho e nostalgia, mas também com certo lamento, que Otávio relembra momentos de sua infância na aldeia. “Foi uma infância marcada pelas manifestações culturais e folclóricas do meu povo, com rituais religiosos e muito simbolismo. Me lembro, por exemplo, dos três cemitérios que existiam na aldeia: um exclusivo para os caciques, outro para os indígenas adultos e outro para as crianças. Também carrego as lembranças de brincar e nadar no rio com meus amigos. Por outro lado, não consigo me esquecer dos momentos de luta pelo reconhecimento da nossa identidade e das várias dificuldades que enfrentamos por conta disso”, relembra.
Com apenas 30 anos, Otávio já tem longa história na defesa do Rio Pará e da etnia Kaxixó.
Ainda na infância Otávio precisou aprender que nem todos respeitavam as origens dele. E já criança vivenciou momentos tensos de luta pelo reconhecimento da identidade Kaxixó. “Não foi fácil. A luta pelo reconhecimento do nosso povo começou por volta de 1985 e só terminou em 2001. Enfrentamos muitas ameaças, disputas por nossas terras. Vi nossa aldeia ser engolida por fazendeiros e tivemos que migrar para outra aldeia, a Capão do Zezinho, também às margens do Rio Pará, onde havia um contingente maior de indígenas”, conta o primeiro médico indígena formado pela UFMG.
Apesar do contexto de luta pelo reconhecimento do povo Kaxixó, Otávio diz que a infância dele foi marcada por um sentimento de liberdade. “Éramos livres para pescar e até nadar nus no rio. Me lembro bem dos rituais que fazíamos, tanto culturais quanto religiosos. O sentimento de liberdade e plenitude era incrível”, destaca. Entretanto, o contexto mudou rapidamente, segundo Otávio, à medida que a disputa pela terra tomou proporções tensas e até perigosas, com ameaças à vida dos indígenas que viviam nas aldeias da região. “Vimos nossas terras serem invadidas. Fomos obrigados a readaptar nossos costumes, ficamos mais sujeitos a doenças, sofremos racismo e éramos vistos como um povo incapaz. Passamos a ser explorados por fazendeiros e muitos do meu povo trabalhavam em troca de comida para conseguir sobreviver”, relembra com tristeza.
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