Revista do CBH do Rio Pará nº1: O rio que podemos ter

28/12/2022 - 10:00

Responsável pelo estudo de enquadramento na bacia do Rio Pará, hidrólogo Leonardo Mitre explica como o instrumento pode garantir a preservação dos corpos hídricos e a melhoria contínua da qualidade das águas

A Política Nacional de Recursos Hídricos estabelece como um de seus fundamentos que a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas que requerem diferentes requisitos de qualidade. O enquadramento dos corpos de água em classes é um dos instrumentos de gestão que visa assegurar às águas, superficiais e subterrâneas, qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas bem como diminuir os custos de combate à poluição, mediante ações preventivas permanentes. O estudo é realizado na bacia do Rio Pará por meio de uma parceria entre o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e o CBH do Rio Pará.

Entrevistamos o hidrólogo responsável pelo estudo de enquadramento, Leonardo Mitre, para saber mais sobre esse instrumento de gestão. Ele é engenheiro civil, mestre e doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e acompanha o enquadramento de outras três bacias na região do Alto São Francisco.

O que é o enquadramento e como as classes de um corpo d’água são definidas?

O enquadramento estabelece metas de qualidade da água, a partir dos usos mais restritivos. Para isso, são avaliados os usos de água existentes em cada trecho de curso de água e são definidos pelo Comitê os usos pretendidos. A partir disso é verificada a qualidade da água necessária para atendê-los.

As classes são definidas a partir de um pacto acordado pela sociedade. Para chegar à proposta de enquadramento, que trata do rio que podemos ter, foi preciso conhecer a fundo o Rio Pará, suas condições atuais de qualidade, as diversas finalidades de uso de suas águas, as comunidades às quais seus cursos de água servem. E, principalmente, seu estado de preservação e degradação. O rio que podemos ter representa uma mediação entre a vontade da sociedade, que na maioria das vezes é um cenário idealizado, e a realidade com o melhor resultado possível, considerando os limites técnicos sociais e econômicos existentes.

A partir da definição desse rio que podemos ter, em que é determinada pelo CBH a qualidade que se deseja para cada trecho, é possível propor as ações que deverão ser executadas para que sejam atingidas as respectivas metas de classes de enquadramento.

Qual é o maior desafio para a efetivação do enquadramento na bacia do Rio Pará?

O maior desafio é a implementação propriamente de todas as ações propostas e o cumprimento dos prazos previstos. De uma forma geral, o que se vê é que são propostas as ações necessárias com seus detalhamentos e como devem ser executadas, mas não é feita uma pactuação com os respectivos responsáveis. Observa-se que as ações previstas no enquadramento têm responsabilidade principal de entidades ligadas ao setor de saneamento, mas também demandam ações dos órgãos ambientais para o licenciamento das soluções, do órgão gestor de recursos hídricos relacionadas às outorgas de lançamentos de efluentes, de órgãos financiadores para a disponibilização dos recursos e de prefeituras para desapropriação de áreas, quando necessário, dentre outras entidades. Finalizado o estudo de enquadramento será essencial uma pactuação entre todas essas instituições.

Como o CBH do Rio Pará pode atuar para apoiar o processo de implementação das ações do enquadramento?

A forte atuação dos membros do CBH do Rio Pará é fundamental para que o enquadramento tenha resultados positivos para a bacia. Inicialmente, é fundamental que seja feita a internalização dos resultados do enquadramento entre os membros do Comitê. Assim, para cada ação proposta no Programa de Efetivação do Enquadramento, o CBH do Rio Pará deve atuar no sentido de proporcionar em sua Câmara Técnica de Planejamento e Projetos (CTPP) um fórum para discussão de prazos e viabilidade de execução entre todos os atores responsáveis por atividades necessárias, incluindo a verificação de pré-requisitos.

Outra ação fundamental do Comitê é o monitoramento contínuo com os responsáveis por cada ação, no sentido de verificar o cumprimento dos prazos e se há alguma dificuldade ou questão que esteja prejudicando ou atrasando sua execução. Nesse sentido, a CTPP deve proporcionar discussões periódicas com cada um dos responsáveis por ações e, com isso, verificar e divulgar continuamente os resultados para a bacia.

Estudo de enquadramento é realizado por meio de parceria entre o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e o CBH do Rio Pará.

Estudo de enquadramento é realizado por meio de parceria entre o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e o CBH do Rio Pará.

Como o enquadramento é integrado aos outros instrumentos da Política de Recursos Hídricos?

O enquadramento tem relação direta com os outros instrumentos e pode levar a melhores resultados para a bacia. Para isso, podem ser destacadas, inicialmente, as outorgas de direito de uso de recursos hídricos para lançamentos de efluentes que não são, ainda, analisadas e emitidas na bacia do Rio Pará. Nesse sentido, a partir da aprovação do enquadramento, as condições de qualidade referentes à classe de cada corpo de água passam a ser o critério de outorga para os lançamentos de efluentes. Com isso, só poderão ser autorizados lançamentos de efluentes que não alterem a classe de enquadramento legal do corpo receptor.

A cobrança pelo uso da água também pode ser utilizada como um incentivador para a melhoria da qualidade dos corpos de água da bacia, podendo ser utilizados parâmetros de cálculo diferenciados em função da condição atual e da necessidade de melhoria. Assim, no caso dos lançamentos de efluentes, o pagamento de valores mais altos para cursos de água que ainda não se apresentam na classe legal prevista podem induzir ao usuário uma melhoria em seus sistemas de tratamento.

No que se refere ao Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia do Rio Pará, apesar de já ter sido aprovado há alguns anos e estar com seu plano de ações em implementação, é possível verificar que uma série de atividades lá previstas poderão também levar a benefícios para a qualidade das águas da bacia.

O estudo de enquadramento prevê um custo para efetivação? Qual a instituição responsável pelos investimentos?

Os custos estimados dependem da alternativa de enquadramento a ser selecionada pelo CBH do Rio Pará. De toda forma, o montante total de ações previstas para a Bacia gira em torno de R$ 700 milhões para os próximos 20 anos, principalmente voltadas ao setor de saneamento, considerando necessidade de melhora na qualidade das águas. Há, ainda, ações de responsabilidade de usuários de outros setores como o industrial e agrícola que tiverem efluentes sendo lançados nos cursos de água e que deverão ter seus sistemas de tratamento adequados de forma a atender às respectivas classes de enquadramento. Essas ações não têm custos mensurados neste momento, uma vez que dependem de informações sobre os sistemas de lançamento atuais, como ponto de disposição, vazão, concentração e regime de operação, o que não é disponível de forma sistematizada no momento.


Assessoria de Comunicação CBH Rio Pará:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio
Fotos: Bianca Aun e Fernando Piancastelli

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará

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